segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

DO SER FELIZ NA MORTE



► Do ser feliz na morte.


“Aquele que achas que perdeste apenas
foi antes de ti. Por que chorar aquele que
partiu antes se vais seguir o mesmo caminho?”

(Lúcio Anneo Sêneca)

Havia pensado em como começar este texto. Após refletir um pouco, pensei em começar alertando ao leitor sobre a brevidade da vida. Lembra de tua infância? Parece ou não que foi ontem? Se levarmos em conta que o universo tem alguns bilhões de anos, que o Homo sapiens sapiens tem uma mínima fatia deste tempo (cem mil anos aproximadamente na Terra) e que nós estamos em nossos vinte, trinta, quarenta, cinqüenta anos de vida – e que teremos algumas décadas ainda pela frente – percebermos o quão ínfima é a parte do tempo que nos diz respeito.
Vi em uma pesquisa que passamos 1/3 de nossas vidas simplesmente dormindo. Ensaiando para a morte. Um terço de nossas vidas, então, é perdido. Retiremos também todas as horas que passamos doentes, cansados, irritados, de mau humor, tristes, entediados, sofrendo pelas decepções amorosas, por perdas por causa da morte... Retiremos todos esses momentos. Podemos dizer que 2/3 talvez de nossa vida já estejam de fora dessa contagem, não? Sobrou-nos 1/3. Um terço nos resta para sermos felizes. Neste 1/3 de vida devemos pôr nossas melhores lembranças, nossas mais fortes amizades, nossos beijos mais demorados, nossas juras de amor eterno, o nascimento de nossos filhos, as realizações, a lembrança de nossa infância, a diversão, as histórias, os filmes inesquecíveis, a melodia da música preferida, a composição da poesia predileta, os olhos de quem se ama... Tanta coisa! Tão pouco tempo.
Ouvi de alguém feliz que “ser feliz é uma decisão pessoal”. Seja quem fores, não importa onde vives, nem quantos anos tens: viver feliz está ao alcance de tuas mãos. Se achas 1/3 da vida insuficiente para ser feliz, porque não ser feliz em tempo integral? É difícil, mas quem falou que seria fácil?
Acredito que o azimute, a meta principal dos homens na Terra, quer eles saibam ou não, é a busca pela Sabedoria. Com ela ao nosso lado nos momentos mais árduos, pode apostar que recuperamos 1/3 de nossa vida que estava perdido pelos desgostos. Assim, já seremos felizes por 2/3 de nossa vida. De cada momento ruim que aconteceu, serão retirados bons aprendizados. Cresceremos. Saberemos como agir da próxima vez; saberemos falar a coisa certa nas horas mais difíceis. Se conseguirmos extrair tudo que o momento pôde dar. Toda a sabedoria que poderia ser apreendida. Mas como fazer para recuperar o último terço da vida? Como ser feliz 3/3? Deveríamos deixar de dormir? Impossível.
Li em algum lugar que “dormir é ensaiar para a morte”. Morremos então, todos os dias. Mas o bonito é que renascemos poucas horas depois, como deuses. Renascemos com a chance de sermos melhores. Algum dia essa chance nos será tirada, claro. Como sempre foi tirada de todos, em todos os momentos da história. Mas não sabemos ainda se essa chance nos será novamente dada para começarmos de onde paramos. Acredito que sim. Pois nessa corrida, não acho que importe a posição a qual se chega, mas em que condições cruzarás a linha de chegada. Uma linha que todos devem cruzar. Uns, como eu disse, chegarão primeiro, outros demorarão um pouco mais, mas chegarão, pois é nosso objetivo comum. Tal como na vida, todos têm um ponto de partida e uma linha de chegada em comum. Entretanto, o percurso, tu tens a chance de escolher. Alguns serão mais longos ou dolorosos. Outros mais rápidos ou mais fáceis. Mas todos hão de chegar.
Quando é tirada de um dos nossos, temporariamente, a chance de acordar, costumamos sofrer bastante. Não acredito que erramos ao sofrer naquele momento. É mais que natural que soframos a perda de um dos nossos. Contudo, se quiseres ser feliz em tempo integral, se buscas a sabedoria como meta de vida, não podes voltar atrás na decisão. Estarás abrindo mão do tempo de felicidade. Mas se ainda assim queres chorar copiosamente ao longo dos meses e anos, devolve então o 1/3 dos longos sofrimentos ao tempo. Não tens o direito de conquistar a sabedoria, ainda.
A morte não é algo fácil, mas deveria ser, já que tanto foram os ensaios para este ato final. Porque não sair do espetáculo aplaudido de pé? Porque deixar alguém nos arrastar do palco, sendo que nossa atuação já chegou ao fim? Não há beleza nem sabedoria nisso. Que choremos pelos nossos! Choremos pelo velório de nosso pai. Choremos pela falta de brilho nos olhos de nossa mãe. Choremos pelo melhor amigo, que, aliás, é como estar presente em nosso próprio enterro. Choremos pelos nossos porque o momento nos pede. Mas só! Será que seria melhor que nunca tivessem nascido para talvez não sofrermos tanto? Devolves então boa parte de tua vida feliz ao tempo. Afinal, foram eles responsáveis por tais momentos, não?
A lógica é simples: se queres ser feliz, ama a vida. Ama os momentos felizes e ama os momentos tristes, pois eles também tiveram importância na edificação de tua fortaleza chamada sabedoria. Nem todos os tijolos de tua fortaleza serão recebidos, alguns devem ser conquistados. Seja o pedreiro, engenheiro, arquiteto e decorador de tua própria obra. E se amarmos os momentos felizes e tristes, não há muito espaço para a dor. Não havendo espaço para a dor, sobra espaço para se ser feliz. E quando atingires a felicidade plena, poderás sentir em teu peito a faixa que marca a linha de chegada. Meta concluída. A recompensa dos vencedores te aguarda.

Em homenagem a todos os meus que já se foram.