segunda-feira, 4 de maio de 2009

Eu, Heroi.




Esses dias eu fui, mais uma vez, modificar minha descrição no ORKUT. Foi nessa hora que eu empaquei. Era uma questão simples, mas que se tornou extremamente complexa, principalmente devido aos meus últimos momentos. A questão, que me jogou no meio de um turbilhão de reflexões e ponderações, foi simplesmente:

Quem sou eu...?

Creio que, cedo ou tarde na vida de todos, esta questão surge, e surge com grande gravidade. É, sem medo de exagerar, a maior questão que o ser humano já se propôs, e que até hoje não pode ser respondida com simplicidade. Não é como responder: Qual sua cor favorita? Violeta! Qual fruta você mais gosta? Morango! Qual seu time predileto? E por aí vai...

Não, esta questão não é simples. Definir-se não é fácil. Muitos podem até dizer, a nós, quem somos, ou o que somos. Mas é fácil para quem está de fora de nossa cabeça e de nosso coração. Quando esta questão parte de dentro, e surge como uma interrogação que exige uma resposta sincera e genuína, então todas as simplicidades caem, e mais nenhuma outra pessoa pode responder por nós. Não... Para que isto fosse possível, elas teriam que ter vivido nossas vidas, ter dado a todos os acontecimentos - pequenos ou grandes - o peso que demos, terem feitos as escolhas que fizemos e pelos motivos que fizemos, terem pensado o que pensamos e sentido o que sentimos, e muito mais coisas além destas e, no fim, perceberíamos que, qualquer um que tenha feito tudo o que fizemos, tal qual fizemos, não seria outra pessoa senão nós mesmos. Mas esta é a parte simples da questão, que sucinta outras questões, de menor importância. Não que não sejam importantes, até são, filosoficamente falando, mas elas ocupam um espaço menor, e não respondem à questão principal, a questão que cedo ou tarde fazemos a nós mesmos: Quem sou eu?

Ao responder esta pergunta, tive que fazer uma retrospectiva pessoal muito grande. Qualquer um que tenha a ambição de responder a esta questão fará a mesma coisa. Assim sendo, vasculhei minha alma de cima a baixo, de dentro pra fora e de fora pra dentro. Revolvi tudo em meu universo interior, e cheguei a uma conclusão estranha: eu sou um herói.

Muitos podem até achar esta afirmação um tanto cômica, e podem dar risadas inclusive. Não os culpo, eu mesmo tenho esta vontade, quando lembro da resposta, sem considerar o modo como cheguei a ela. O trajeto, percebam, é o fundamental da questão resolvida. Eu sou um herói, descobri. Mas como descobri, os motivos que me levam a esta conclusão é que são o âmago da questão.

Sou um herói, não por me considerar como tal, nem por acreditar no que porventura um ou outro tenha me dito. Não! Sou um herói, pois tenho um coração de herói, tenho os propósitos de um herói, tenho os desejos de um herói, e me comporto de maneira condizente com isso. Sou um herói não por uma afirmativa pessoal, movida pelo ego e pela vaidade, mas antes por me descobrir deste jeito, sendo quem sou e o que sou, do jeito que sou, pelos motivos que sou. Mas para que isto fique bem entendido, uma outra questão precisa ser respondida: o que é um herói?

Segundo o dicionário que disponho agora, um herói é:
s.m.
Nome dado pelos gregos aos grandes homens divinizados. / Aquele que se distingue por seu valor ou por suas ações extraordinárias, principalmente por feitos brilhantes durante a guerra. / Principal personagem de uma obra literária (poema, romance, peça de teatro etc.) ou cinematográfica. / Principal personagem de uma aventura, de um acontecimento.

De que este conceito nos servirá? Resposta simples: ele é o princípio, o início da compreensão que eu mesmo tive que buscar. Logicamente que agora este processo está sendo invertido, pois busquei este conceito depois de chegar à conclusão, mas não queremos dificultar as coisas, não é mesmo? Pois bem...

Antropologicamente falando, um ser humano é o resultado da somatória de todas as influencias existentes ao seu redor que, absorvidas e processadas, desde a mais tenra idade, formam a sua Identidade Cultural. Por exemplo: um chinês só é chinês se for criado inserido no seio da cultura chinesa. Fatores genéticos, diante da grandeza do cultural, são pouco influentes. Ouso fazer esta afirmação, pois é de conhecimento de muitos que, se um indígena sul-americano for (outro exemplo), assim que nascido, for criado e educado até sua idade adulta, em meio a japoneses (mais um exemplo), experimentando e vivendo a cultura japonesa, mesmo que por fora seja um índio, por dentro ele será japonês. Culturalmente este “índio” será um japonês. Um outro bom exemplo é o caso dos meninos-lobos, crianças que, desde o nascimento, foram criados por lobos, e se tornaram como tais, vivendo como tais, até o momento em que tiveram contato com a sociedade - e cultura - humana.

Percebi, após uma serie de eventos que me levaram a questionar a força e a validade de meus valores, diante do que hoje é culturalmente avaliado, aceito e exercido pela maioria, que pertenço a uma geração totalmente única. Sou, assim como muitos, a primeira geração que é marcada por este tipo de característica. Meu pai, quando teve a idade que tive, não viveu o que eu vivi, nem como eu vivi, mas foi através dele que eu herdei estas características. Meu avô, pai do meu pai, sequer sonhou com o legado que seu filho, meu pai, me deixou. Mas este legado existe, e se manifesta em mim. Não é uma exclusividade minha. De fato, ela existe em muitos que tiveram uma infância como a minha, que leram o que li, que sonharam o que sonhei ou como sonhei, e que se espelharam em quem me espelhei.

Vamos contextualizar melhor: quando garoto, "aprendi" com meu pai a gostar de Histórias em Quadrinhos. Sou fã, até hoje, de HQs, além é claro de Mangás (histórias em quadrinhos de formato oriental). Antes deles, porém, tive contato com os tão famosos Contos de Fadas. Na televisão, eu assistia a vários desenhos animados, todos de super-heróis. Desenhos como "A Liga da Justiça", "Thundercats", "Silverhawks", "Os Herculóides", "Space-Gost" e tantos outros foram o molde de alguns princípios morais que tenho hoje. Princípios como coragem, honestidade, integridade, altruísmo, responsabilidade, justiça, bondade, coleguismo, companheirismo e muitos outros.

Mas meus heróis não foram apenas estes. Existia um outro "universo", e era o da busca espiritual. Não sou o tipo de homem que jura sobre a capa de um único livro. Na verdade, não juro sobre livro algum, mas leio muito. No que tange a espiritualidade, tive contato com várias culturas diferentes, várias religiões diferentes, e de cada uma delas tive a sorte de absorver valores inestimáveis, tanto que me espelhei em "herois" genuínos. Personagens como Jesus, Buda, Lao-Tse, Krishna e tantos outros indivíduos que foram a origem de muitas religiões, e cuja própria existência é quase mítica. Cada um deles é, para mim - e não só para mim -, um heroi.

Muitos outros personagens históricos, menos fantásticos e mais "reais" também me serviram como espelho. Dalai Lama, São Francisco de Assis, Chico Xavier, Nelson Mandela, Mahatma Gandhi, Malcon X e muitos outros foram grandes exemplos do que podemos considerar como heróis verdadeiros. Gente que lutou por um ideal, e que, não raras vezes, morreram por ele, em nome dele, ou o exercendo. Outros nomes, posteriormente, se somaram a estes. "Celebridades" como o nosso atual Dalai Lama, ou de guerreiros antigos como Myiamoto Musashi, ou de monges honoráveis como o Bodhidharma, cada um destes surge como uma orientação que ambicionei seguir. Exemplos de força-de-vontade, de determinação, de genialidade, de perseverança... Desejei profundamente ser como eles, e assimilei, da melhor forma possível, suas melhores qualidades e virtudes.

Após me tornar um "adulto", os indivíduos caíram para segundo plano, e ideais pularam para o primeiro. Ideais como o
Bushido, o caminho do guerreiro, o famoso código de conduta dos samurais é um bom exemplo. Neste código, que não foi transmitido a mim, mas que por minha pessoa foi buscado por uma questão de identificação, trouxe-me noções e ideais como honra, verdade, dever, lealdade, força de caráter... Assim, aos poucos, fui me aproximando mais e mais dos heróis que tanto me impressionaram e cujos passos desejei seguir. Heróis verdadeiros e Heróis mitológicos. Todos, de igual forma, fazem parte do que sou hoje.

Percebo que, a cada novo dia, novos heróis se somam aos antigos. Meus heróis. Cada atitude de nobreza, cada atitude de honra, cada exemplo de lealdade, cada manifestação de integridade que me impressiona. Mas certamente que existem atenuantes e agravantes, e o que realmente me impressiona não é a ação em si, mas quando, como e onde acontece. Um valentão fortão e armado, enfrentando um grupo de fracotes desarmados não é, nem de longe, um sinal de coragem. Mas um fracote enfrentando, sozinho e desarmado, um grupo de valentões fortões, em defesa de algo justo, é um sinal de coragem, de integridade, de nobreza, de justiça e de muitos outros valores heróicos, muito embora, para as demais pessoas, seja uma demonstração de estupidez. Seria tão mais fácil enfiar o rabo entre as pernas e sofrer calado, como os demais...

Esta é, então, a síntese do que é ser herói: fazer, em nome das virtudes, o que mais ninguém está disposto a fazer. Defender, mesmo que com grande prejuízo de si mesmo, aquilo que é justo e verdadeiro. Lutar, mesmo que sozinho, e/ou em grande desvantagem, para promover e preservar os direitos mais sagrados que todo ser humano deve ter, e que deve defender. Direitos estes que já foram bandeiras, que já foram ideais, e que hoje estão quase esquecidos. Direitos como Igualdade... Liberdade... Fraternidade... Direitos como Justiça e Respeito. Direitos humanos...

Um herói é, muitas vezes, nos dias de hoje, um tolo. É alguém que coloca a segurança e o bem-estar dos outros acima de seu próprio. É alguém que corre para ajudar quando todos os demais correm para se esconder. Um herói acredita e vive em função de princípios e ideais que são, quase sempre, motivo de chacota para os que não os possuem, ou que neles não acreditam. Um herói resiste e persiste quando todos os demais desistem. Mesmo com dúvidas, mesmo fraco, mesmo ferido, ele ainda luta, pois sabe que o bem de muitos depende de seus esforços, e que se ele cair, podem até surgirem outros, mas ainda assim ele fará grande falta.

Lutar sem recompensa. Batalhar sem reconhecimento. Liderar em anonimato. Desafiar dando seu nome para preservar o anonimato de muitos. Desconhecer o orgulho que vem da vaidade, mas cultivar o orgulho que vem da integridade. Ser orgulhoso por ser nobre. Ser e fazer o que é difícil ser e fazer. Sacrificar-se...

Sou um herói pois os valores de um legítimo herói estão em mim. A egrégora dos heróis habita em mim. Assim como um samurai, assim como um cavaleiro, sou o fruto de meus antepassados. Sou o filho de um mundo espetacular, mas que é frágil e precisa ser defendido contra as forças do mal. Como um herói, procuro ignorar minhas fragilidades e superar minhas deficiências, mas defendo até as ultimas forças - e mesmo indo além delas - a justiça.

Não sou o único, isso eu sei. Tenho antecessores e, com alguma sorte, terei sucessores. Os heróis estão espalhados pelo mundo todo, mas são poucos. Há muito a ser feito, e poucos são os que fazem. Menor ainda é o número dos que continuam a fazer, após inúmeras decepções, angustias, derrotas... Estes poucos sofrem como qualquer pessoa, e até mais. Possuem muito mais limitações, pois seus princípios lhes impedem de fazer o que qualquer outro, que não os possuem, poderia fazer. Mas é justamente isto o que constrói um herói: fazer sacrifícios constantes em benefício de muitos.

Quando observo o mundo, do jeito que está. Quando leio um jornal ou assisto um programa televisivo e vejo reportagens sobre violência, corrupção, intolerância, discriminação, acidentes causados por imprudência e irresponsabilidade... percebo com grande tristeza que o mundo precisa de mais heróis. Precisamos de mais heróis verdadeiros. Precisamos de mais Cristos, de mais Budas, de mais Krishnas, de mais Mahatmas Gandis, de mais Malcons Xs... O mundo precisa de heróis. Mas quem se disponibilizará a ser um deles?

O maior desafio de um herói não é lutar, mas continuar a lutar depois de algum tempo. Chega uma hora em que ele mesmo terá que decidir se ele continua a lutar – e consequentemente continua a sofrer como um lutador solitário –, ou se ele para de lutar e começa a viver sua própria vida, já há muito esquecida e abandonada.

A resposta para esta pergunta virá com o tempo... Mas será que teremos tempo? Por enquanto temos, mas se continuar como está, um dia os heróis acabarão e então, eu pergunto: o que será do mundo sem heróis?