sábado, 29 de janeiro de 2011

Onde Está o Wally?

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Certa vez eu precisei ir ao dentista. Precisei ir muitas vezes, da minha infância até hoje. Os motivos eram vários, desde a convencional aplicação de flour até a correção ortodôntica por aparelhos fixos. Assim, por inúmeras vezes eu tive que aguardar o momento de ser atendido...

Quem já passou por isso sabe como é chato e enfadonho. Lá está você, sentado, no meio de um ambiente silenciosamente opressivo, cercado por desconhecidos, sem nada interessante para fazer, e sem poder ir a outro lugar. Você fica momentaneamente preso, enclausurado voluntariamente, aguardando a sua vez.


Não é muito comum uma pessoa ser precavida ao ponto de prevenir-se, e levar algo para poder se distrair enquanto aguarda. Geralmente a maioria das pessoas, mesmo quando marcam hora, chegam de - ou vão para - lugares diferentes, pois a vida não para, e "tempo é dinheiro".

Hoje, diferente de alguns anos atrás, quem sabe uma ou duas décadas, as coisas são bastante diferentes. Naquele tempo não havia os recursos eletrônicos que existe hoje. Houve avanços tecnológicos, é claro, mas não sei se houve efetivas melhorias na qualidade intrínseca das coisas. Creio que não, muito embora hoje tudo seja bem mais fácil (só que bem mais triste também).

Qualquer celular possui jogos diversos. Quase todo mundo tem a seu dispor um mp3 player, ou mesmo um celular com cartão de memória que executa mídias musicais. Existem os games eletrônicos portáteis, como os da linha Game Boy, e praticamente em todo e qualquer consultório existe pelo menos um aparelho televisivo (os mais elegantes, geralmente, possuem canais exclusivos de uma assinatura qualquer).


E, ainda assim, esperar é um saco. Além disso, alguns destes recursos são um tanto inconveniente, e mesmo anti-sociais.

O mp3 player isola a pessoa em si mesma. E se tal recurso é bem vindo em alguns momentos, em muitos outros ele não é. Isto porque ele é alienador, ele furta o ouvinte da realidade imediata em que ele se encontra, e não é em todos os casos que isto é positivo e salutar. Principalmente em um consultório, onde a qualquer momento alguém que provavelmente não lhe conhece irá lhe chamar. Toda atenção é pouca para quem não quer perder nem sua vez e nem seu tempo.

As linhas de games portáteis não são baratas, e não estão acessíveis a qualquer um.

Os aparelhos celulares possuem carga limitada, por mais otimizada que seja a bateria do aparelho. E, em alguns casos, os jogos são pra lá de entediantes...

Os aparelhos televisivos estão sintonizados em um único canal, e em um consultório a democracia não é algo comum de se ver. Portanto, certos canais ou certos programas não poderão ser assistidos, e quase sempre os programas exibidos no horário da consulta são tão chatos. Culpa da Lei de Murphy!

E as revistas? Nóssa! Nem se fala das revistas...


Horríveis, cada uma delas. Banais, em sua maioria, ou sem qualquer valor à maioria das pessoas que lhes folheiam. Quem as escolhe? Que critérios usa?

E, veja bem, este problema não é um luxo dos consultórios clínicos particulares. Não... Nas instituições públicas é ainda pior. Para começar, se você não levar seu lazer contigo, se prepare: a espera será ainda mais longa do que seria. E, convenhamos, atendimento público não é demorado: é simplesmente o cúmulo da demora.

Mas, nos "bons tempos", não era assim.

Lembro-me que era comum eu chegar em qualquer clínica ou consultório e encontrar, entre as inúmeras e variadas revistas e gibís (sim, haviam), um livro entitulado "Onde Está o Wally?". Era fantástico. Eram livros grandes, extraordinariamente grandes quando comparados aos demais, e cada uma de suas páginas era um universo de busca e diversão. O objetivo era encontrar, entre as milhares de pessoas desenhadas, o personagem "Wally", e os objetos que ele perdeu. E a diversão não era apenas procurar - o que exigia grande poder de observação, concentração e memória - mas também ver as cômicas situações ilustradas pelas demais figuras caricátas do desenho. Só o desenho já valia a pena. Mas era, além e acima disso, um desenho-jogo!

Onde Está o Wally? (clique na imagem para ampliá-la)

Houve também o tempo dos livros de imagens em 3D, chamado "Olho Mágico", e que propunha um desafio interessante, que era conseguir encontrar, no meio de um caleidoscópio de padrões multicromáticos, uma imagem tridimensional qualquer. E era possível até mesmo fazer desafios, convidando os amigos - ou mesmo os desconhecidos do ambiente - para verem o que havia na imagem. E assim o tempo passava rápido, amizades eram feitas, e laços fraternos fortalecidos. E a mente, é claro, fortalecia-se a cada novo desafio.

ESTEREOSCOPIA: Imagem 3D oculta (clique na imagem para ampliá-la)

Era também muito comum as pessoas levarem consigo livros, ou o que era ainda mais comum, as revistinhas de caça-palavras ou palavras-cruzadas. As edições "Coquetel" eram as melhores! E cada uma destas revistinhas, de preços módicos até os dias de hoje, era um exercício de memória, raciocínio e erudição. E mesmo que não se soubesse a resposta do enigma proposto, era possível descobrí-lo pela dedução, juntando com as letras componentes das palavras que lhe cruzavam, ou lendo a resposta no final da publicação (o que é uma trapaça necessária, as vezes).


As revistas, cuja qualidade de seu conteúdo era bem mais rica e variada do que se tem hoje em dia, era também um sedutor convite à reflexão, à erudição e à instrução. Lembro-me de títulos como a "Super Interessante", que até aqueles dias ainda era super, e interessante. Hoje em dia, porém... E tinham os jornais, com seus jogos e tirinhas de humor, bem como as revistas, que também ofereciam algo similar. Hoje em dia as revistas são mais catálogos de compras ou veículos de propaganda política do que meios de comunicação e reportagem.


Os programas televisivos também tinham seus atrativos, e foi o período que consagrou e imortalizou grandes personagens, como é o caso do Chacrinha, por exemplo. As coisas eram pelo menos originais, e não uma afronta à inteligência ou à dignidade do telespectador. Bons tempos, aqueles...


Hoje, passado tanto tempo, pergunto-me: o que aconteceu com esta geração de entretenimento "Wally" de espera? Que houve com este tipo de "Coquetel" de lazer racional e divertido? Por onde estará este tipo "3D" de passa-tempo cognitivo e salutar?


E hoje, sempre que tenho que aguardar minha vez de ser atendido, e ao olhar as opções de distração que me ofertam, eu me pergunto:

ONDE ESTÁ O WALLY?
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