sábado, 29 de janeiro de 2011

Onde Está o Wally?

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Certa vez eu precisei ir ao dentista. Precisei ir muitas vezes, da minha infância até hoje. Os motivos eram vários, desde a convencional aplicação de flour até a correção ortodôntica por aparelhos fixos. Assim, por inúmeras vezes eu tive que aguardar o momento de ser atendido...

Quem já passou por isso sabe como é chato e enfadonho. Lá está você, sentado, no meio de um ambiente silenciosamente opressivo, cercado por desconhecidos, sem nada interessante para fazer, e sem poder ir a outro lugar. Você fica momentaneamente preso, enclausurado voluntariamente, aguardando a sua vez.


Não é muito comum uma pessoa ser precavida ao ponto de prevenir-se, e levar algo para poder se distrair enquanto aguarda. Geralmente a maioria das pessoas, mesmo quando marcam hora, chegam de - ou vão para - lugares diferentes, pois a vida não para, e "tempo é dinheiro".

Hoje, diferente de alguns anos atrás, quem sabe uma ou duas décadas, as coisas são bastante diferentes. Naquele tempo não havia os recursos eletrônicos que existe hoje. Houve avanços tecnológicos, é claro, mas não sei se houve efetivas melhorias na qualidade intrínseca das coisas. Creio que não, muito embora hoje tudo seja bem mais fácil (só que bem mais triste também).

Qualquer celular possui jogos diversos. Quase todo mundo tem a seu dispor um mp3 player, ou mesmo um celular com cartão de memória que executa mídias musicais. Existem os games eletrônicos portáteis, como os da linha Game Boy, e praticamente em todo e qualquer consultório existe pelo menos um aparelho televisivo (os mais elegantes, geralmente, possuem canais exclusivos de uma assinatura qualquer).


E, ainda assim, esperar é um saco. Além disso, alguns destes recursos são um tanto inconveniente, e mesmo anti-sociais.

O mp3 player isola a pessoa em si mesma. E se tal recurso é bem vindo em alguns momentos, em muitos outros ele não é. Isto porque ele é alienador, ele furta o ouvinte da realidade imediata em que ele se encontra, e não é em todos os casos que isto é positivo e salutar. Principalmente em um consultório, onde a qualquer momento alguém que provavelmente não lhe conhece irá lhe chamar. Toda atenção é pouca para quem não quer perder nem sua vez e nem seu tempo.

As linhas de games portáteis não são baratas, e não estão acessíveis a qualquer um.

Os aparelhos celulares possuem carga limitada, por mais otimizada que seja a bateria do aparelho. E, em alguns casos, os jogos são pra lá de entediantes...

Os aparelhos televisivos estão sintonizados em um único canal, e em um consultório a democracia não é algo comum de se ver. Portanto, certos canais ou certos programas não poderão ser assistidos, e quase sempre os programas exibidos no horário da consulta são tão chatos. Culpa da Lei de Murphy!

E as revistas? Nóssa! Nem se fala das revistas...


Horríveis, cada uma delas. Banais, em sua maioria, ou sem qualquer valor à maioria das pessoas que lhes folheiam. Quem as escolhe? Que critérios usa?

E, veja bem, este problema não é um luxo dos consultórios clínicos particulares. Não... Nas instituições públicas é ainda pior. Para começar, se você não levar seu lazer contigo, se prepare: a espera será ainda mais longa do que seria. E, convenhamos, atendimento público não é demorado: é simplesmente o cúmulo da demora.

Mas, nos "bons tempos", não era assim.

Lembro-me que era comum eu chegar em qualquer clínica ou consultório e encontrar, entre as inúmeras e variadas revistas e gibís (sim, haviam), um livro entitulado "Onde Está o Wally?". Era fantástico. Eram livros grandes, extraordinariamente grandes quando comparados aos demais, e cada uma de suas páginas era um universo de busca e diversão. O objetivo era encontrar, entre as milhares de pessoas desenhadas, o personagem "Wally", e os objetos que ele perdeu. E a diversão não era apenas procurar - o que exigia grande poder de observação, concentração e memória - mas também ver as cômicas situações ilustradas pelas demais figuras caricátas do desenho. Só o desenho já valia a pena. Mas era, além e acima disso, um desenho-jogo!

Onde Está o Wally? (clique na imagem para ampliá-la)

Houve também o tempo dos livros de imagens em 3D, chamado "Olho Mágico", e que propunha um desafio interessante, que era conseguir encontrar, no meio de um caleidoscópio de padrões multicromáticos, uma imagem tridimensional qualquer. E era possível até mesmo fazer desafios, convidando os amigos - ou mesmo os desconhecidos do ambiente - para verem o que havia na imagem. E assim o tempo passava rápido, amizades eram feitas, e laços fraternos fortalecidos. E a mente, é claro, fortalecia-se a cada novo desafio.

ESTEREOSCOPIA: Imagem 3D oculta (clique na imagem para ampliá-la)

Era também muito comum as pessoas levarem consigo livros, ou o que era ainda mais comum, as revistinhas de caça-palavras ou palavras-cruzadas. As edições "Coquetel" eram as melhores! E cada uma destas revistinhas, de preços módicos até os dias de hoje, era um exercício de memória, raciocínio e erudição. E mesmo que não se soubesse a resposta do enigma proposto, era possível descobrí-lo pela dedução, juntando com as letras componentes das palavras que lhe cruzavam, ou lendo a resposta no final da publicação (o que é uma trapaça necessária, as vezes).


As revistas, cuja qualidade de seu conteúdo era bem mais rica e variada do que se tem hoje em dia, era também um sedutor convite à reflexão, à erudição e à instrução. Lembro-me de títulos como a "Super Interessante", que até aqueles dias ainda era super, e interessante. Hoje em dia, porém... E tinham os jornais, com seus jogos e tirinhas de humor, bem como as revistas, que também ofereciam algo similar. Hoje em dia as revistas são mais catálogos de compras ou veículos de propaganda política do que meios de comunicação e reportagem.


Os programas televisivos também tinham seus atrativos, e foi o período que consagrou e imortalizou grandes personagens, como é o caso do Chacrinha, por exemplo. As coisas eram pelo menos originais, e não uma afronta à inteligência ou à dignidade do telespectador. Bons tempos, aqueles...


Hoje, passado tanto tempo, pergunto-me: o que aconteceu com esta geração de entretenimento "Wally" de espera? Que houve com este tipo de "Coquetel" de lazer racional e divertido? Por onde estará este tipo "3D" de passa-tempo cognitivo e salutar?


E hoje, sempre que tenho que aguardar minha vez de ser atendido, e ao olhar as opções de distração que me ofertam, eu me pergunto:

ONDE ESTÁ O WALLY?
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domingo, 23 de janeiro de 2011

A Mais Triste das Prisões

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Quem está mais à mercê dos perigos da vida: quem se expõe de mais, ou quem se expõe de menos?

Quando eu tinha 17 anos, fazia o terceiro ano do ensino médio. Era 1997, e eu morava em Brasília. Naquele tempo eu precisei fazer um trabalho avaliativo de Inglês, o qual consistia em traduzir uma música do idioma em questão. A que escolhi foi uma do Metallica chamada "One". Hoje eu me lembrei dela, e há algo em sua letra que é muito sugestivo e representativo nos dias de hoje. Um trecho, em especial, destaca-se para os fins desta postagem:

Darkness imprisoning me = Trevas aprisionando-me
All that I see: absolute horror
= Todo que vejo: absoluto horror
I cannot live
= Não posso viver
I cannot die
= Não posso morrer
Trapped in myself
= Preso em mim mesmo
Body's my holding cell
= Meu corpo é minha cela

Não se trata da música em si, pois ela tem um tema central que foge à intenção que aqui ilustra. A composição é auto-explicativa na totalidade de sua letra, entretanto, alguns trechos isolados, quando reinterpretados e contextualizados, podem nos conduzir a um novo entendimento sobre outras eventualidades. É o que pretendo fazer agora...

Novamente voltando à minha infância, lembro-me de um episódio do desenho animado Caverna do Dragão (Dungeons & Dragons, no original), chamado "A Prisão Sem Muros". Para retornarem ao lar, os jovens aventureiros tinham que encontrar um mago chamado Lukian, aprisionado pelo Vingador em uma "prisão sem muros", a "mais triste das prisões", segundo o Mestre dos Magos. E os jovens aventureiros se perguntavam, como seria correto e sensato, o que era uma "prisão sem muros". Depois de muita confusão, eles percebem que o tal prisioneiro e sua prisão eram uma só coisa: amaldiçoado, Lukian tornara-se uma criatura de aspecto horrendo, incapaz de se comunicar, de realizar magia ou de conseguir qualquer ajuda. Ele era prisioneiro de seu próprio corpo.


Este é outro exemplo emblemático.

Continuando a ter, como referência, a minha infância e juventude, lembro-me que eu tinha o habito de me banhar na chuva. E as chuvas do Centro-Oeste eram respeitáveis. São até hoje. Mas eu não estava nem aí: toda vez que o céu desabava,  eu podia ser encontrado na rua, brincando e fazendo algazarra, mesmo que sozinho, na maioria das vezes. Tomar banho de chuva era bom de mais. E eu não me lembro de uma ocasião em que, brincando na chuva, eu tenha ficado resfriado, gripado ou doente de qualquer forma.

Depois que fiquei adulto, ou seja, depois dos 18 anos, período em que fui tragado pela sociedade e pelo "mundo real", perdi o prazer de tomar banho de chuva. Mas tenho várias recordações de ter sido apanhado por ela. Talvez a chuva sentisse saudade de nossas brincadeiras... Mas o fato é que, depois de ter me tornado um "homem de compromissos", tomar banho de chuva significava prejuízo: molhava a roupa ou material de estudo, ou uniforme e materiais de trabalho. Sempre que chovia alguma coisa ruim acontecia, em algo minha vida se atrapalhava, e até hoje foi assim. E, nestas ocasiões, era comum eu ficar de mau-humor. Aliás, parece que somente as crianças encontram algum prazer na chuva hoje em dia, e olhe lá...


Curioso: nestas ultimas duas semanas eu fui apanhado pela chuva, no meio de um trajeto longo, sem qualquer possibilidade de me proteger. E em todas as duas ocasiões eu fiquei doente. Mas quando eu era garoto não tinha destas coisas. Por que será?

Há quem diga que é pelo nível elevado de poluentes e microorganismos que são inalados por nós, depois da chuva, e que o resfriamento do corpo, somado ao repentino aumento da umidade relativa do ar, potencializa o surgimento de doenças oportunistas devido à fragilização do sistema imunológico.

Não sou nenhum especialista em saúde, mas acho isto algo ridículo, carente de aprofundamento científico mais sólido e consistente. De fato, a ciência não é um bloco monolítico, ela não é uniforme, nem universal e nem harmônica em suas constatações, mesmo que elas venham do mesmo domínio científico. Há opiniões e opiniões, teorias e teorias, e muitas destas são divergentes e mesmo antagônicas entre si. É como o caso do ovo de galinha ou da carne vermelha: há quem diga que faz mal, há quem diga que faz bem... E todas as opiniões são científicas.

Abiogênese ou "Geração Espontânea"

Não vou entrar no mérito de qual destas é ou não a mais válida. Depois de ter vivido tantos anos no meio acadêmico, acabei aprendendo que a tendenciosidade é algo corriqueiro, mesmo que condenável. Vergonha para a Academia, pois ela - e a sociedade - perdem com tais comportamentos.

Mas o caso não é este, embora ambos se relacionem. O caso é: porque as crianças parecem ser imunes à chuva, e os adultos não? Ou melhor ainda: por que as crianças - e adultos - de ontem eram mais resistentes à chuva do que hoje em dia?

Já faz algum tempo que recebi um e-mail bem humorado que falava justamente sobre este questionamento. Havia uma série de situações reportadas onde as gerações que nasceram até a década de 80, do século passado, gozavam de certa imunidade, quando comparadas com as crianças de hoje. Era o caso de banhar-se na chuva, de andar descalço, de brincar na terra, de brincar com animais, de se enfiar no mato (esconde-esconde ou pique-pega) ou mesmo de participar de brincadeiras e ou esportes mais agitados, e com relativo risco à "segurança", como era o caso de andar de patins, de skate, de jogar bola no asfalto...


E tal e-mail era concluído com o fato de que, paradoxalmente, as crianças de hoje em dia, bem mais protegidas, também são bem mais frágeis e mais debilitadas, pois sempre estão com gripes, resfriados, alergias... Mas que as crianças de ontem, e que são os adultos de hoje, ainda gozam de boa saúde.

Que será, então, destas crianças de hoje quando for amanhã? Que tipo de saúde terão? Pior: será que terão alguma saúde?

E há certa lógica no e-mail. Assim como há certa lógica quando seu teor passa a ser o contexto do trecho da música "One", do Metallica, ou do capítulo "Prisão Sem Muros", do desenho Caverna do Dragão. E estes três exemplos se convergem em uma única e aterradora pergunta: que tipo de liberdade é esta que nós temos?

Não podemos fazer nada pois corremos o risco de ficarmos doentes. Não podemos comer nada pois corremos o risco de ficarmos doente. Não podemos fazer esporte algum pois corremos o risco de ficarmos doente. Sem lazer, sem diversão, sem vida...


Cada vez mais o mundo "real" é substituído pelo mundo virtual. Cada vez menos há natureza, e cada vez mais há recursos eletrônicos. E, em escala de proporções, as ruas, as praças e os bosques estão cada vez mais vazios. E mesmo quando alguém se ajunta neles, parece que isto trás alguma velada ameaça aos que estão de fora: Quem são eles? Que querem? Que fazem? São marginais, aposto! Estão se drogando, quer ver? Onde estão os pais destas crianças? Que absurdo, uma criança de família não ficaria tão largada...

A socialização coletiva está cada vez mais restrita a espaços ainda mais restritos e ou ambientes noturnos de diversão e descontração: bares, boates, shopings, shows... E parece que, à medida em que se envelhece, a diversão vai se restringindo paulatinamente à bebida e sexo. Nada contra, eu adoro os dois, de verdade. Mas a vida não se limita apenas a isto. Há bem mais do que estes prazeres no mundo, mas poucas são as pessoas que se arriscam a buscar tais prazeres. E esta escassez acaba encarecendo tais diversões e lazeres.

Surfar é uma aventura deliciosa. Andar de skate e patins também. Voar de asa-delta ou pular de para-quedas é fantástico. Esquiar também é. Rapel e bang-jump são adrenalina pura e instantânea. Competições atléticas também. Artes marciais fazem bem à saúde física, mental e espiritual. E qualquer esporte é assim também. E há tantas possibilidades, tantas alternativas...


Todavia, as pessoas estão cada vez mais enclausuradas. E as prisões estão se tornando cada vez mais refinadas.

A reclusão é sutil e perniciosamente conveniente, e o confinamento é suave e progressivo.

Primeiro, reduzimos o número dos nossos contatos efetivos. Pessoas? Só se for as mais íntimas amizades do trabalho, da escola e a família. Locais? Só se for a própria casa, a casa de um amigo ou parente, ou ambientes "seguros" e fechados. VIPs, de preferência.

Diversão? Só se for uma que não envolva riscos à saúde e à integridade corporal. E mais vale ter um corpinho débil e frágil do que passar vergonha ao exercitar-se, ou ser presenteado com eventuais arranhões ou fraturas. Além disso, há o risco de sofrermos acidentes mais sérios, ou mesmo de sermos assaltados. E os medos estão falando cada vez mais alto.


MEDO!!!

Este é o nosso carcereiro, no final das contas. Ele nos confina em nós mesmos, cada vez mais. Assim passamos a ter medo de nos expor, primeiro fisicamente, depois mentalmente e, por fim, até mesmo espiritualmente.

E não se enganem: já começou.

A "liberdade de expressão" está sob severa ameaça. E o Estado, que deveria ser o protetor, será o seu algoz. Aliás, já está sendo. E para quem duvida, pense filosoficamente sobre o que vem a ser esta onda de termos "politicamente corretos". Dentre todas as panacéias, o "politicamente correto" é o maior placebos. A diferença é que o comum placebo medicamentoso ainda pode curar alguma coisa; o "politicamente correto" só mascara os sintomas dos males que pretensamente combate, o que torna a patologia ainda pior e mais grave: ele a torna crônica.

Além disto, o pensamento errado que não se manifesta não pode ser corrigido. E se até mesmo as crianças são doutrinadas a não dizerem o que pensam, sob risco de intransigente pena, as mentalidades não serão retificadas, ao contrário, a hipocrisia será cada vez mais ratificada.


E os vícios mentais, com o tempo, se tornam tão profundos e tenazes, que se convertem em vícios espirituais.

Há, sobre tal assunto, muito o que ser discutido, e é o tipo de tema que vale amplo debate. Entretanto, se as pessoa se melindram ou se elas se amedrontam diante desta necessidade, que há para ser discutido? Como a dialética pode ser realizada, nestas condições? O "politicamente correto" é a estagnação da saúde mental, assim como o "ficar em casa" é a estagnação da saúde corporal. A saúde espiritual depende grandemente destas duas, e uma não permanece boa sem que as outras também estejam. É assim que somos enquanto seres integrais.

A consequência deste prisão sem muros, auto-imposta e aparentemente intransponível, é a letargia, é a conivência silenciosa e a fúria explosiva, desvairada e inconsequente.

As pessoas não tomam providência nenhuma quando os problemas começam a surgir.

As pessoas se calam e aceitam quando estes problemas se tornam mais grave e revoltantes.

Caso Mensalão

Por fim, elas explodem violentamente, e sem qualquer direcionamento, quando tudo torna-se absolutamente insuportável.

Nestas horas, doa a quem doer, as vítimas - e somente as vítimas, mas não todas - irão buscar "justiça". Pena que nem sempre os justiçados são os verdadeiros criminosos... E é mais pena ainda que depois da explosão, quando a poeira baixa, todo volta a ser do mesmo jeito, e repete-se a letargia e a conivência silenciosa até o dia de uma nova explosão.

Vítimas das enchentes do RJ: Comovente? Sim! Revoltante? Só se for no Twitter...

Essa passividade morosa nos torna menos que animais. As vítimas, depois de um tempo, se tornam apenas dados estatísticos nas mãos dos mesmos políticos que nada fizeram, quando muito poderiam ter feito. Mas, ainda assim, todos se calam, pois "todos já sabem como é que é" (e isto tristemente consolida o trocadilho de uma conhecida frase utilizada pelo Poder Público: "eu sou brasileiro, eu não aprendo nunca").

E é justamente este o perigo: as explosões estão se tornando cada vez mais raras, pois a letargia e a conivência silenciosa estão cada vez mais fortes.

E, então, a gente deve se perguntar: o que mais estamos tirando de nós mesmos, além de nossa saúde e de nossa liberdade?

Que triste é esta prisão em que estamos nos enfiando...


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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Mais que um simples voto

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"No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise." (Dante Alighieri)

Tenho sorte por conhecer muitas pessoas. É o que me possibilita andar muito, e conversar ainda mais. Ouço as opiniões alheias, e pondero sobre cada ponto observado, cada explanação feita, cada consideração levantada. Não trato com leviandade o ponto de vista de terceiros, sejam eles quem fores, ainda mais quando tratam de temas sérios, por vezes polêmicos. E, não raramente, a maioria destas pessoas pede a minha opinião. Alguns, é claro, para sondarem minhas perspectivas, e até tentam me "converter". Outros, mais raros, buscam compreender minha percepção das coisas, pois me consideram sensato o suficiente para manifestar uma opinião bem distinta e plena de reflexões.


Atualmente estamos no limiar de algo que considero um momento de extremo limite. É como uma repetição dos eventos que se evidenciam em 1963, e culminam com o "golpe" de 1964. Salvo algumas particularidades, estamos praticamente nas mesmas condições gerais. Diferente daquele tempo, o perigo está na escolha a ser feita. E, então, muitos estão na expectativa: quem será o futuro presidente do Brasil? Mas, antes desta pergunta, há outra que deve ser respondida: a quem você dará seu voto?

Eu já tenho a minha resposta. Como monarquista que sou, terei a infelicidade de quebrar meu regime de votos nulos pois, neste caso, omissões podem resultar em catastrófes. Mas a questão não é em quem irei votar. É no que não quero para meu país. E se engana quem pensa que é uma questão de escolher entre duas pessoas. Não! Trata-se de uma escolha entre ideologias e métodos distintos de governo. E, neste caso, muitas coisas distintas devem ser consideradas na equação, inclusive valores religiosos e morais.


Por ser cidadão, e usuário, considero que muitos dos serviços públicos podem e devem ser privatizados, pelo bem da nação. É vergonhoso o modo como algumas pessoas, visivelmente desqualificadas, fazem dos cargos públicos um cabide de oportunidades, ou desempenham suas funções sem qualquer compromisso ético ou moral, e mesmo às custas do desrespeito às vidas que são obrigadas à se dirigirem à eles. Maus tratos, ultrajes e humilhações institucionais que não podem ser combatidas, pois fazem parte do sistema administrativo público (carcomido e degradado). Lembro-me que muitos foram contra a privatização da telefonia pública, e previram um monte de desgraças. E, ao contrário do que fora dito naqueles dias, hoje até os mendigos possuem telefone  próprio. Para muitos serviços públicos, a melhor solução, inclusive para o bem da população (no que tange a questão da relação entre produtos & serviços), é a privatização. Mas também desejo que, caso haja a privatização, que seu processo ocorra, do início ao fim, de modo transparente e honesto. E ninguém é bobo de imaginar que a população ficaria à mercê das empresas privadas. Para isto, dou três motivos, entre muitos outros: mecanismos jurídicos de proteção ao consumidor; a política de livre concorrência, oferta e procura, as quais regem as relações comerciais; e a eventual intervenção do Estado é, também, uma alternativa de controle muito eficaz (e sempre absoluta). Mas a privatização é apenas uma das facetas de uma solução simples e necessária: erradicar a absurda estabilidade e protecionismo incondicionais que caracterizam, aqui no Brasil, um funcionário público. Isto evitaria muitos abusos, e esta interminável sensação de impotência e revolta de quem é obrigado, por falta de outra opção, a usar este tipo de serviço.

Descaso, desrespeito e omissão pública
Por ser espiritualista, e (re)encarnacionista, não considero a descriminalização do aborto um avanço social. Mais do que isto: esta é uma medida paliativa, que trará, à longo prazo, mais problemas do que soluções. Mesmo que seja desconsiderado o fator religioso (espírito/(re)encarnação) o qual não pode ser desprezado, ainda há o fator social: descriminalizando o aborto, teremos um bum! nos casos de doenças venéreas, principalmente a AIDS, pois muitas pessoas evitam o sexo desprotegido justamente por conta do perigo da concepção indesejável. Então, mais do que os gastos públicos com os abortos (que virão aos montes - promovidos pela falta de responsabilidade, critérios, controle e ou responsabilidade - e que também sofrerão com os mesmos problemas comum e típicos da atual saúde pública brasileira), haverá também os gastos com os tratamentos de doenças venéreas de modo geral, recursos estes que poderiam muito bem ser direcionados à políticas de conscientização e educação mais enfáticas e constantes. Sem considerar a criação e implementação de programas pró-maternidade (muito mais úteis e salutares que o famigerado bolsa-família). E não só a questão religiosa seria respeitada, mas a própria condição humana também. E seria muita ingenuidade acreditar que, na política, não existe a intervenção e mesmo o império de considerações religiosas. A morte de inocentes não é e nem pode vir a ser uma opção.


Por ser romântico, e empático, considero que a legalização da união civil de casais homossexuais um grande avanço social. É também uma questão de justiça. Independente do gênero, "raça", credo e condição social, nada deveria impedir a união estável e publicamente reconhecida de duas almas que se amam e se desejam mutuamente como par. A partilha de direitos civis matrimoniais deveria sim, ser universalizada, entretanto, também não podemos obrigar , arbitrariamente, que as religiões modifiquem suas considerações históricas e culturais, as quais são, de fato, suas estruturas e alicerces, para agradar, forçosamente, uma pequena parcela de professantes. O respeito para com uns não exige, necessariamente, o desrespeito à outros. Casamento civil é uma coisa. Casamento religioso é outra. Conquistar o primeiro é um avanço fenomenal. Mas também não podemos desejar demais, em tão pouco tempo. E estamos falando de modificações nas estruturas legais do Estado. Para crenças, e tradições religiosas, o assunto é bem mais complicado. Assunto polêmico para ser tratado em tão poucas linhas, mas ainda assim, uma opinião que precisa ser manifestada, à título de ponderação.


Por ser filósofo, e historiador, não posso conceber um líder político que tenha, como raiz de suas ideias, e como azimute de suas ações, personagens históricos como Stalin. É o mesmo que assumir, também, ter como orientação política à Hitler, Mussolini, Saddan Hussein, Mao Tse-tung e vários outros, de governos mais contemporâneos. E o que é que há de comum entre todos estes políticos/governantes? A ação de que utilizaram para trazer o "progresso" à sua nação: morte e crueldade! Sob o governo destas pessoas, milhares de seres humanos receberam tratamentos que não se dispensam à animais. Centenas de milhares de pessoas foram escravizadas, executadas, ou simplesmente condenadas à inanição (sim, morte pela fome).

Stalin
E que pode haver de mais desrespeitoso à vida do que a morte?

Existe, na trajetória humana, vários capítulos negros. Eventos vergonhosos, de verdade. Mas se é fácil lembrar do mais recente e vergonhoso (o Nazismo e seus campos de concentração, com o genocídio realizado nos campos de extermínio, e que deram ao Holocausto um novo entendimento, e popularizaram o termo "antissemitismo"), é extremamente difícil lembrar de outro, talvez tão ruim ou ainda pior, cujo autor é considerado um heroi por muitos líderes políticos da atualidade, e jovens militantes políticos, ambos descompromissados com a história da política e governo mundial. Trata-se do vergonhoso episódio conhecido por Holodomor, promovido pela política de desenvolvimento de Stalin, durante seu governo.

Vítimas do Holodomor de Stalin
Holodomor (em ucraniano: Голодомор) é o nome atribuído à fome de carácter genocidário, que devastou principalmente o território da República Socialista Soviética da Ucrânia (integrada na URSS), durante os anos de 1932 - 1933. Este acontecimento — também conhecido por Grande Fome da Ucrânia — representou um dos mais trágicos capítulos da História da Ucrânia, devido ao enorme custo em vidas humanas. Apesar de esta fome ter igualmente afectado outras regiões da URSS, o termo Holodomor é aplicado especificamente aos factos ocorridos nos territórios com população de etnia ucraniana: a Ucrânia e a região de Kuban, no Cáucaso do Norte.

Memorial Holodomor: para que jamais esqueçamos...
Diante destes episódios, e dos líderes políticos que os desencadearam, é pertinente perguntar: o que há de errado em ideais como o socialismo, por exemplo? Com o ideal socialista, nada. Com a ideologia socialista, tudo. É, antes de qualquer outra coisa, uma questão de métodos e princípios. O ideal que surge do desejo por uma sociedade igualitária, fraterna e harmônica é lindo e venerável. Eu mesmo desejo viver em um mundo assim. E quem não desejaria? Costumo dizer que eu sou um "socialista utópico": a sociedade que desejo já foi imaginada, mas tal ideal é, por muitos, considerado um sonho impossível, uma utopia. Desejo algo como o que se imagina que é o Jardim do Éden dos cristão, ou os Campos Elíseos dos gregos, ou o estado de Nirvana dos budista, ou como o que se  tem em "Nosso Lar", colônia espiritual descrita no romance mediúnico de Xico Chavier, que tornou-se vídeo recentemente. Um lugar, como estes, é algo sem paralelos em nosso mundo, e em nossa história...

O problema, como falávamos, não está neste tipo de sociedade, mas no método empregado para alcançá-la. Existe um ditado alemão que diz mais ou menos assim: "nenhum produto final pode ser melhor que sua matéria prima".  E, falando em Alemanha, alguém se lembra do Muro de Berlim? Pois é... Este é um caso típico. Como é possível florescer uma sociedade de paz, amor e igualdade entre os escombros de guerra, ódio, injustiça e morte? Eis um verdadeiro paradoxo. Como o ódio pode gerar amor? Como a injustiça pode gerar igualdade? Como a coerção pode gerar liberdade? Como mentiras podem gerar verdades? Como? E isto me lembra uma citação bíblica: "reconhece-se a árvore pelos seus frutos". Assim sendo, também é possível reconhecer, pela semente, a árvore que ela virá a ser...


Não consigo acreditar que alguém que seja capaz de mentir tão fácil e descaradamente, possa dar fiel cumprimento ás suas palavras. Pior que isto: creio que quem é capaz de matar, e tramar a execução de várias pessoas e a realização de vários crimes, em nome de uma ideologia, também é capaz de fazer muito mais, e muito pior.

Stalin fez. Hitler fez. Mussolini fez. Mao Tse fez. Saddan fez. Fidel fez e faz. E não estou disposto a permitir que outra pessoa, que tão claramente defende os mesmos ideais, utilize-se dos mesmos métodos e tenha os mesmos escrúpulos que estes, tenha, aqui e agora, a oportunidade de fazer o mesmo tipo de barbárie que fizeram em suas respectivas nações.

Stalin & Mao Tsé
Não acredito na existência de uma "democracia brasileira". Tampouco acredito que o atual sistema político/administrativo do Brasil seja impecável. Para mim, este está pra lá de pútrido e decomposto. Precisamos de algo novo, e radicalmente diferente. Mas enquanto não surge este novo sistema de política democrática e administração pública, livre da corrupção patente e descarada que existe agora, o mínimo que podemos fazer é escolher alguém ou algo que não seja maléfico, malévolo, venal e perverso.

Quem, ou o quê, matou Tamayo?
Por uma questão de respeito aos meus próprios princípios e valores, e por respeito ao que ainda resta de justo e sagrado em meu país, não irei meramente votar em Serra, ou no PSDB. Simplesmente irei votar contra o ideal deturpado e vil que vem pela pessoa de Dilma, e contra a política corruptara e corruptível do PT.

O BRASIL PODE MAIS!!!
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domingo, 19 de setembro de 2010

Eureka, irmãos!

AVISO: Em virtude de uma desgostosa interjeição que sofri, estes dias, e em outros tantos dias ao longo de minha vida, por conta de diferenaças religiosas, irei fazer esta postagem. Por muitas vezes eu a evitei. Geralmente sou tolerante e parcimonioso, e suporto, com resignação, certos comentários e atitudes. Entretanto, para tudo existe um limite, e eu já não consigo suportar, silenciosamente, a "opinião" apaixonada, virulenta e descabida de gente que não tem o menor respeito pelo alheio. Me dirigirei, portanto, aos que se acham senhores absolutos e incontestes da Verdade.
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Talvez esta venha a ser, dentre todas as minhas as postagens que já fiz até hoje, mais antipática. Mas, em defesa dela, posso dizer tão somente duas coisas, e ambas são ditos populares famosos:

A primeira é: "É impossível que não venham escândalos, mas ai daquele por quem vierem!" (Lucas, 17:1). E, acreditem, não sou eu o autor dos escandalos...

E, caso a primeira não tenha significado algum, eis a segunda: "Que diabo se importa?"

Polêmico? Eu? Sempre! Devo isto à uma peculiaridade que considero, em dados casos, uma dom e uma benção: a capacidade de ser inquieto, de não me dar por satisfeito, de questionar, de buscar compreender, ao invés de acatar, mecanicamente.

E é por isto que estamos aqui.

"Eureka" é uma palavra grega que tem, por significado, "encontrei". Tornou-se mundialmente famosa graças à Arquimedes, que havendo compreendido um princípio físico/matemático que lhe renderia fama, no instante em que estava numa banheira, saiu rua afora, nu, comemorando sua descoberta. 



Deve ter sido um escândalo, é claro. Mas foi e é compreensível: para ele, foi o equivalente à ser o ganhador da "mega-sena" acumulada. Imagine-se, numa banheira, no exato momento do sorteio, e com o bilhete na mão, descobre que foi o único ganhador de um prêmio milhonário. Pois é...

Mas escandalosa mesmo, de verdade, é a situação social que temos em nosso país, principalmente hoje em dia. Se você pensou na política, sinto muito em lhe dizer, mas você está ligeiramente longe da verdade. Não seixa de ser algo político, mas a natureza exata do infortunio que vivemos é a religião.



Religião, para mim, é algo sagrado. Não importal qual, TODAS são sagradas, e TODAS merecem igual respeito e consideração. Não existe religião melhor ou pior. Existem religiões diferentes. Assim como também existem fiéis bons e ruins, e isto é um fato que ninguém pode ignorar. Mas hoje em dia, vem a pergunta que, no passado, tinha uma resposta diferente da que penso existir agora: A Religião sobrevive aos seus religiosos?

Hoje eu li, nos tabloides eletrônicos, que o atual Papa, formalmente, pediu desculpas às vítimas dos padres criminosos. Realmente, é lamentável esta situação, mas é ainda mais lamentável lembrar - ou tentar esquecer - que não é de hoje que crimes e criminosos se encontram dentro da Santa Igreja. Tais crimes e criminosos não são de agora, e estes, dos quais temos notícias, não serão os ultimos.


Mas há crimes e criminosos em todas as religiões. Se assim não fosse, não haveria necessidade delas. A função e missão das religiões é encaminhar as pessoas ao caminho da retidão e evolução espiritual, de modo que elas possam se tornar melhores. Mas há, infelizmente, um ramo religioso que se destaca pelas discrepâncias entre o discurso e as práticas dos religiosos. Na boca destes, eles mesmos são perseguidos constantemente, mas qualquer um que não seja de sua fé, por estes é perseguido e ultrajado, desrespeitado em sua própria crença ou por ser representante dela. Aliás, não precisa nem ser de outra religião: basta não ser da mesma congregação, e os conflitos se iniciam.

Sabe que religião é esta? Ainda não? Pois vou dar uma dica, e em forma de música. Na letra do conjunto Velhas Virgens, "Aposentadoria de Malandro":

- Alô Bezerra!

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Que foi sangue ruim
A vida inteira
E depois de velho
Quer virar santo
Esse era o cara
Que quando era novo
Fumava e bebia
Não tinha amigos
Não tinha família
Onde passava
Era só confusão
Fez falcatrua
Roubou de cego
E de aleijado
Mas hoje em dia
Entrou prá igreja
E diz que tá regenerado...

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Deu cheque sem fundo
Tomou emprestado
E não pagou
Vendeu aquilo
Que não era dele
E até os amigos
Ele caguetou
Ganhou tanta grana
Comprou jatinho
E lancha a motor
Depois de rico
Entrou prá igreja
E hoje diz que é pastor...

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Quando via um mendigo
Tratava sempre na porrada
Pintava e bordava
Com a filha dos outros
E largava depois que enjoava
Mas hoje em dia
Faz sermão
Dá grito e reclama
Diz que sexo sem casamento
É coisa de gente sacana...

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Esta não é a letra integral, e qualquer um pode encontrá-la na internet. Mas o fato é: eu, que sou de família evangélica, sei bem como algumas pessoas, de má índole e por vezes de má fé, conseguem conspurcar uma religião que tinha tudo para ser bela, mas que, para muitos, torna-se extremamente antipática e incomoda.

Bezerra da Silva, em muitas de suas músicas sobre a vida e o cotidiano nos morros cariocas, já falava dos "ladrões de gravata". Eu mesmo já passei poucas e boas por conta destes, que nada mais são que lobos em peles de cordeiro. Aliás, na pele de pastor!



Nada contra a religião. Tampouco contra os fieis. Mas a fé cega só pode criar extremistas, e nunca à obreiros. Pensem nos radicais islâmicos, os xiitas. Pensem nos nazistas (sim, um belo exemplo de cristãos radicais e extremistas). Pensem nos inquisitores (novamente, cristãos radicais e extremistas). Dentre todas as religiões, nenhuma tem mais sangue em suas mãos do que o cristianismo. E mesmo que se juntem todas as outras, ainda assim, o conjunto delas não iria superar o cristianismo em culpas, crimes e atrocidades "em nome de Deus". E é uma religião tão bela, tão nobre e tão benevolente. Os ensinamentos de Cristo são praticamente iguais aos que se tem nos ensinamentos de Buda, que é igual ao que se tem nos ensinamentos de Lao Tsé, que é igual os ensinamentos de Krishna, que e igual a constatação de inúmeros outros sábios e profetas e homens santos e divinizados, encontrados aos montos nas mais diferentes e diversas culturas e nações.

O problema não é Cristo. Nem o Cristianismo. O problema são os "Cristãos". Coloco entre aspas pois não considero ser, um verdadeiro cristão, a pessoa que, em nome de Cristo, e dos ensinamentos de Cristo, viola as próprias palavras e ensinamentos de Cristo:

Mestre, qual é o grande mandamento na lei?
E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
Este é o primeiro e grande mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.

Livro de Mateus, Capítulo 22, Versículos de 36 a 40.

Aprendi, desde pequeno - pois sou de berço cristão - que não se pode amar ao Pai sem que se tenha amor pelos filhos, e não se pode amar aos filhos sem que se tenha amor pelo Pai. Um depende do outro. E como pode, então, uma pessoa que diz "amar a Deus", ter tanta ojeriza por Seus filhos, quer sejam eles de outras igrejas e/ou religiões? Ou até mesmo por ser diferente, ter preferências e gostos diferentes?



Não existe amor sem respeito. Não existe amor sem compreenção. Não existe amor sem consideração. Não existe amor sem empatia. Não existe amor sem simpatia.

Do mesmo modo, onde há intolerância, não há amor. Onde há discriminação, não há amor. Onde há subjulgação, não há amor. Onde há ódio, não há amor. Onde há pré-conceito, não há amor.

Mas o triste é que, infelizmente, devemos a intolerância etnica e religiosa, tão velada e tão presente nos dias de hoje, à própria indulgência dos crentes às palavras de seus "pastores", pois são eles os (de)formadores de opiniões. E, para muitos, é mais fácil ir à igreja ouvir alguém explanar seu entendimento, de modo a parecer que ele é o dono da verdade, do que buscar a verdade por si mesmo, com seus própriso olhos, com seu próprio entendimento.

Onde estão os "olhos de ver e ouvidos de ouvir"?


Há sabedoria e sensatez naquele que, possuindo o poder e a oportunidade de pensar por si mesmo, cede seu pensar a outra pessoa, e faz do pensamento desta, sem qualquer questionamento, o seu próprio pensamento?

Cegos conduzindo cegos. Ou melhor, cegos se deixando conduzir por outros cegos...

Creio que não seja nem sábio nem sensato, mas é o que mais vemos hoje em dia, nas milhares e milhares de "Igrejas" que surgem, velozes e vorazes como pragas de gafanhotos, sustentadas por pessoas que, em boa parte das vezes, não possuem sequer a mínima virtude necessária à um sacerdote: amor incondicional. A única coisa de que sabem falar é de $$$, e nada mais.


E se for correto o que dizem nestas e em outras Igrejas ao redor do mundo, então estamos vivendo "O Fim dos Tempos", pregados pelo livro Apocalipse. E, sendo isto uma verdade, também são verdadeiros os vários alertas contidos tanto no Novo Testamento quanto no Antigo, quando nos chama a atenção quanto aos "falsos profetas":

Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. (1 João 4:1)

E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. (2 Pedro 2:1)

Ai de vós quando todos os homens falarem bem de vós, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas! (Lucas 6:26)

E, por fim, o meu favorito:

Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. (Mateus 7:15-20)

Seja um bom "Servo de Deus", mas seja DE DEUS, e não do pastor. Orai, mas vigiais também. Nenhum profeta de Deus faz a vontade de Deus disseminando ódio, intolerância, discriminação ou pré-conceito. Nenhum servo de Deus trata o seu próximo como se o Julgamento Final - que porventura não pertence ao homem - já houvesse ocorrido, e que aquela pessoa já estivessem condenadas. Quem, dentre nós, conhece as vontades e os pensamentos de Deus? Estariamos, portanto, habilitados a falar por Ele ou julgar em Seu lugar?

Até vale a pena repetir um comentário que ouvi, tempos atrás: "Então me apresente a 'Procuração de Deus', delegando a você o poder e a exclusividade de representá-lo!"

Pois então.

A estes, que se assemelham tanto aos nazistas, aos xiitas, aos inquisitores e a tantos outros fanáticos extremistas radicais, dou apenas mais um alerta: nos tempos de Jesus, haviam os "Doutores da Lei", igual a vós. Estes eram os "Escribas" e os "Fariseus". Lembra-se? Não? Pois vou ajudar a lembrar:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas... (Mateus 23:23-33)

Assim sendo, tenham cuidado com suas palavras, queridos proselitistas, e com a autoridade com que se revestem, em nome de Deus e de Cristo, pois 'em verdade eu vos digo', vocês não estão se distanciando muito daqueles doutores da lei.



E, para concluir, gostaria de deixar, aos que se revoltaram com minhas palavras, e se sentiram ofendidos por ela, que leiam a seguinte parábola:
 
Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos;
E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos;
E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse.
Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.
Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.
Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves.
Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.
Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.
Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara.
Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste.
Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?
E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.
Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.

Mateus 5:23-35

Ah, sim! Sobre a pergunta que fiz, quanto à sobrevivência da religião, acredito que sim, elas sobrevivem, mas não como as mesmas, e, caminhando na estrada por onde caminham ultimamente, certamente elas sobrevivem com toda a sorte de distorção, deturpação e deformidade...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

INFORMAÇÕES & ORGANIZAÇÕES

Saudações a todos.

Estou retomando a normalidade de minhas atividades, e isto requer uma demanda de tempo e, principalmente, de organização.

Assim sendo, estou dividindo minhas atividades, ordenando-as para que nenhuma delas fique entregue à própria sorte, até mesmo porque eu também sinto a necessidade de falar de outras coisas, outros temas, com outras formas de falar.

Reativei meu antigo Blog, o SAPIENS CORDIS - "Sabedoria do Coração", e à ele estou destinando as mensagens que foram como as postadas aqui até o presente momento. Deixarei o FIO DA KATANA para assuntos mais diversos e menos - se é que posso dizer - profundos...

Há ainda outros blogs que darei atenção. Um deles é o DIÁRIO DE PIT-BULL, onde estarei narrando o cotidiano e as inúmeras travessuras de minhas crianças, e as reflexões que surdem do convivo com elas. Outro, ainda, é o complexo de blogs da SONARQ, o qual anda muito abandonado, e merece maior dedicação. Estarei cuidando dele também.

Então, caros leitores, estarei organizando meus dias do seguinte modo:

SEGUNDAS e QUINTAS-FEIRA, serão os dias de postagens no SAPIENS CORDIS
TERÇAS e SEXTAS-FEIRAS, serão os dias de postagens n'O FIO DA KATANA
QUARTAS-FEIRAS e SÁBADO, serão dias de postagens em um dos blogs da SONARQ
DOMINGOS serão dias de postagens randômicas, e eu jogarei 1D6 (um dado de seis lados) para saber em qual blog estarei postando.
COTIDIANAMENTE estarei efetuando postagens no DIÁRIO DE PIT-BULL.

Espero contar com a visita de todos.

Cordialmente,

Henrique "Mestre-Hentai" Júnior

terça-feira, 27 de julho de 2010

A vida numa panela

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Certos dias da semana parecem possuir "alma" própria. O Domingo é um deles. Para mim, o que torna o domingo um dia especial, ao ponto de ter sua "alma", são as memórias à ele vinculadas. A mais deliciosa, literalmente falando, é a que tenho do domingo como uma reunião de amigos e, atrevo-me a dizer, de familiares.



Vejo-me constantemente, nestas recordações, sentado junto à uma pequena mesa circular, no centro de uma cozinha bem organizada e aconchegante. À frente do fogão, um senhor aparentemente frágil, mas que desmente tal aspecto com seu gênio forte, caráter ilibado, temperamento audaz, impetuoso jeito de ser e  munido com seu eterno bom humor, prepara um Arroz de Carreteiro. Enquanto faz sua mágica, sua voz grave e sonora fala-me sobre coisas como cultura, tradição, espiritualidade, família, amigos, vida, viver, dignidade, integridade, hombridade, lealdade, amizade, esperança... E os assuntos se sucedem e se misturam com tal harmonia, que parecem ser sempre a mesma conversa, ainda dentro do mesmo tema.

As risadas são constantes, mesmo em assuntos sérios e doloridos. E as mais belas e valiosas lições de vida são compartilhadas com humor e -  por que não? - certo deboche: ri-se da seriedade demasiada que se dá as coisas, e ri-se de si mesmo diante das próprias tolices, loucuras, vacilos e erros. É quando aprender torna-se fácil e divertido. E é quando se compreende que viver é mais do que o que se faz, e menos do que se imagina dever fazer, e que é sempre possível recomeçar, mesmo nas mais difíceis situações.

Este senhor, diante do fogão, me chama com frequência para aprender o segredo de seu "secretíssimo" toque gastronômico.

"Veja, meu caro Hentai. É preciso que esteja assim... Tem que estar deste modo... É assim que a gente faz lá em... Veja a cor... Veja o brilho... Sinta o cheiro...", ele diz. "Eu nem preciso provar: só de ver, e sentir, sei o que falta, e sei quando está bom". "Medida é coisa de gente fraca: eu vou é no olhômetro"! E eu me divirto com seu jeito de ser, e com sua didática extravagante e original.



Nos domingos de minha memória, quando estou como convidado deste nobre anfitrião, a mesa é servida por todos, e as honras são dadas à Senhora da Casa, sua esposa, fiel companheira, testemunha e motivação de sua trajetória. Antes, durante e depois das refeições de domingo, vejo os dois brincarem, e trocarem carinhos e afagos. Há todo um teatro, e eu vejo a cumplicidade que une os dois, principalmente nela, que participa das brincadeiras mesmo sem estar nem aí pra elas. Há, sim, os desentendimentos, mas mesmo estes parecem ter, como as demais coisas deles dois, a particularidade de suas cores, e uma aura de peculiaridade, somada à imponente impressão de que no universo deles, na intimidade do lar deles, eles se entendem em um nível que só é compreensível plenamente pelos dois, e somente pelos dois.

Rodeados por um magnífico jardim, tratado com esmero e dedicação, e entre brindes e gracejos, vou aprendendo o jeito correto de portar-me à mesa, e de ser civilizado durante a refeição. E a cada um destes domingos, torno-me melhor, mais culto, mais espiritualizado, e mais refinado. Expando o significado de "companheirismo" e de "fraternidade". E vejo, nas rugas e no manquejar dos dois, tudo do que desejo ter, para mim, quando eu mesmo tiver visto tantas primaveras quanto eles.

 Ainda em meio ao exuberante jardim, e sempre que possível, o chimarrão entra na roda. De mão em mão, ele torna-se o exemplo materializado da tradição de um povo, e dos costumes que superam os limites do tempo e do espaço. Tudo tem um gosto meio ritualístico: há o jeito certo de preparar, há o jeito certo de servir, há o jeito certo de tomar, há o jeito certo de pegar, abastecer de água, e servir ao próximo. E qual é o jeito certo? O jeito da TRADIÇÃO.



Enquanto o chimarrão passa de mão em mão, histórias de um tempo distante, mas vívido, ecoa pelo jardim carregados pela voz de tenor. Histórias de uma família, contada às gerações sem jamais se perder, ganha vida na imaginação da seleta plateia que a ouve atentamente. E é quando percebo: somos, também, parte desta família.

E isto me honra. Nada poderia ser mais enobrecedor.

No final do dia, nós nos despedimos. Mas há sempre a promessa do "no próximo domingo". E por mais que demorem, estes domingos chegam. As vezes só os dois nos recebem. As vezes a família toda se reúne. Duas ou três gerações se encontram, mas a impressão é que mesmo os mais distantes antepassados estão lá, em espírito, apreciando e participando da reunião, e assim como eu e tantos outros, se riem das histórias e dos causos contados nas rodas de chimarrão.



"Tchau, Mocho!", saudação ao guardião espiritual da casa, é a penúltima coisa que digo ao sair pelos portões daquele lar-fortaleza. A ultima é sempre "até mais, Professor". E esta ultima palavra sai de minha boca carregada de importância, nobreza e admiração. E é observando a figura dele que eu me sinto honrado com a profissão que escolhi para mim. Com um aperto de mãos, viro-me para ir embora, e já com a intenção de voltar mais uma vez. Sempre mais uma vez. Sempre.

Ao chegar em casa, geralmente alguns quilos mais pesado, e muitos anos mais sábio e vivido, relembro a beleza de tais momentos, tão apreciáveis, e  alimento-me deles, e com eles me entrego ao sono. E nos dias que se seguem eu continuo a viver os "outros dias da semana", com a cotidiana luta e labuta. E quando chega o domingo, mesmo não estando lá, inicio o ritual todo novamente:

"Bom dia, Mocho! Bom dia Professor! Bom dia Dona Rosa!"

Nestes domingos, quando não estou lá, faço-me presente em espírito, e torno meu próprio lar, na medida do possível, a cópia daquele ambiente venerável. E se vou preparar o arroz, lembro-me das histórias, e da voz reverberante a dizer: "vem ver Hentai, como é que fica. É assim que tem que ficar! Tá vendo?".

Nestes dias de domingo a vida se torna uma celebração, e para mim, Viver Bem passa a ter um referencial, e saber viver torna-se tão simples quanto saber cozinhar. É essencial ter sensibilidade, pois é preciso "extrair o que há de melhor em cada ingrediente". É necessário ser atencioso, para "utilizar estes ingredientes na hora certa, e do jeito certo". É preciso ser bem humorado, bem articulado, bem ativo e criativo, para que o antes e o depois também façam parte da refeição.

Hoje, quando eu olho para uma panela de arroz, eu penso na vida. E digo a mim mesmo, com um sorriso cândido nos lábios:

"É... A vida cabe numa panela de arroz".

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