sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Mais que um simples voto

_______
"No inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise." (Dante Alighieri)

Tenho sorte por conhecer muitas pessoas. É o que me possibilita andar muito, e conversar ainda mais. Ouço as opiniões alheias, e pondero sobre cada ponto observado, cada explanação feita, cada consideração levantada. Não trato com leviandade o ponto de vista de terceiros, sejam eles quem fores, ainda mais quando tratam de temas sérios, por vezes polêmicos. E, não raramente, a maioria destas pessoas pede a minha opinião. Alguns, é claro, para sondarem minhas perspectivas, e até tentam me "converter". Outros, mais raros, buscam compreender minha percepção das coisas, pois me consideram sensato o suficiente para manifestar uma opinião bem distinta e plena de reflexões.


Atualmente estamos no limiar de algo que considero um momento de extremo limite. É como uma repetição dos eventos que se evidenciam em 1963, e culminam com o "golpe" de 1964. Salvo algumas particularidades, estamos praticamente nas mesmas condições gerais. Diferente daquele tempo, o perigo está na escolha a ser feita. E, então, muitos estão na expectativa: quem será o futuro presidente do Brasil? Mas, antes desta pergunta, há outra que deve ser respondida: a quem você dará seu voto?

Eu já tenho a minha resposta. Como monarquista que sou, terei a infelicidade de quebrar meu regime de votos nulos pois, neste caso, omissões podem resultar em catastrófes. Mas a questão não é em quem irei votar. É no que não quero para meu país. E se engana quem pensa que é uma questão de escolher entre duas pessoas. Não! Trata-se de uma escolha entre ideologias e métodos distintos de governo. E, neste caso, muitas coisas distintas devem ser consideradas na equação, inclusive valores religiosos e morais.


Por ser cidadão, e usuário, considero que muitos dos serviços públicos podem e devem ser privatizados, pelo bem da nação. É vergonhoso o modo como algumas pessoas, visivelmente desqualificadas, fazem dos cargos públicos um cabide de oportunidades, ou desempenham suas funções sem qualquer compromisso ético ou moral, e mesmo às custas do desrespeito às vidas que são obrigadas à se dirigirem à eles. Maus tratos, ultrajes e humilhações institucionais que não podem ser combatidas, pois fazem parte do sistema administrativo público (carcomido e degradado). Lembro-me que muitos foram contra a privatização da telefonia pública, e previram um monte de desgraças. E, ao contrário do que fora dito naqueles dias, hoje até os mendigos possuem telefone  próprio. Para muitos serviços públicos, a melhor solução, inclusive para o bem da população (no que tange a questão da relação entre produtos & serviços), é a privatização. Mas também desejo que, caso haja a privatização, que seu processo ocorra, do início ao fim, de modo transparente e honesto. E ninguém é bobo de imaginar que a população ficaria à mercê das empresas privadas. Para isto, dou três motivos, entre muitos outros: mecanismos jurídicos de proteção ao consumidor; a política de livre concorrência, oferta e procura, as quais regem as relações comerciais; e a eventual intervenção do Estado é, também, uma alternativa de controle muito eficaz (e sempre absoluta). Mas a privatização é apenas uma das facetas de uma solução simples e necessária: erradicar a absurda estabilidade e protecionismo incondicionais que caracterizam, aqui no Brasil, um funcionário público. Isto evitaria muitos abusos, e esta interminável sensação de impotência e revolta de quem é obrigado, por falta de outra opção, a usar este tipo de serviço.

Descaso, desrespeito e omissão pública
Por ser espiritualista, e (re)encarnacionista, não considero a descriminalização do aborto um avanço social. Mais do que isto: esta é uma medida paliativa, que trará, à longo prazo, mais problemas do que soluções. Mesmo que seja desconsiderado o fator religioso (espírito/(re)encarnação) o qual não pode ser desprezado, ainda há o fator social: descriminalizando o aborto, teremos um bum! nos casos de doenças venéreas, principalmente a AIDS, pois muitas pessoas evitam o sexo desprotegido justamente por conta do perigo da concepção indesejável. Então, mais do que os gastos públicos com os abortos (que virão aos montes - promovidos pela falta de responsabilidade, critérios, controle e ou responsabilidade - e que também sofrerão com os mesmos problemas comum e típicos da atual saúde pública brasileira), haverá também os gastos com os tratamentos de doenças venéreas de modo geral, recursos estes que poderiam muito bem ser direcionados à políticas de conscientização e educação mais enfáticas e constantes. Sem considerar a criação e implementação de programas pró-maternidade (muito mais úteis e salutares que o famigerado bolsa-família). E não só a questão religiosa seria respeitada, mas a própria condição humana também. E seria muita ingenuidade acreditar que, na política, não existe a intervenção e mesmo o império de considerações religiosas. A morte de inocentes não é e nem pode vir a ser uma opção.


Por ser romântico, e empático, considero que a legalização da união civil de casais homossexuais um grande avanço social. É também uma questão de justiça. Independente do gênero, "raça", credo e condição social, nada deveria impedir a união estável e publicamente reconhecida de duas almas que se amam e se desejam mutuamente como par. A partilha de direitos civis matrimoniais deveria sim, ser universalizada, entretanto, também não podemos obrigar , arbitrariamente, que as religiões modifiquem suas considerações históricas e culturais, as quais são, de fato, suas estruturas e alicerces, para agradar, forçosamente, uma pequena parcela de professantes. O respeito para com uns não exige, necessariamente, o desrespeito à outros. Casamento civil é uma coisa. Casamento religioso é outra. Conquistar o primeiro é um avanço fenomenal. Mas também não podemos desejar demais, em tão pouco tempo. E estamos falando de modificações nas estruturas legais do Estado. Para crenças, e tradições religiosas, o assunto é bem mais complicado. Assunto polêmico para ser tratado em tão poucas linhas, mas ainda assim, uma opinião que precisa ser manifestada, à título de ponderação.


Por ser filósofo, e historiador, não posso conceber um líder político que tenha, como raiz de suas ideias, e como azimute de suas ações, personagens históricos como Stalin. É o mesmo que assumir, também, ter como orientação política à Hitler, Mussolini, Saddan Hussein, Mao Tse-tung e vários outros, de governos mais contemporâneos. E o que é que há de comum entre todos estes políticos/governantes? A ação de que utilizaram para trazer o "progresso" à sua nação: morte e crueldade! Sob o governo destas pessoas, milhares de seres humanos receberam tratamentos que não se dispensam à animais. Centenas de milhares de pessoas foram escravizadas, executadas, ou simplesmente condenadas à inanição (sim, morte pela fome).

Stalin
E que pode haver de mais desrespeitoso à vida do que a morte?

Existe, na trajetória humana, vários capítulos negros. Eventos vergonhosos, de verdade. Mas se é fácil lembrar do mais recente e vergonhoso (o Nazismo e seus campos de concentração, com o genocídio realizado nos campos de extermínio, e que deram ao Holocausto um novo entendimento, e popularizaram o termo "antissemitismo"), é extremamente difícil lembrar de outro, talvez tão ruim ou ainda pior, cujo autor é considerado um heroi por muitos líderes políticos da atualidade, e jovens militantes políticos, ambos descompromissados com a história da política e governo mundial. Trata-se do vergonhoso episódio conhecido por Holodomor, promovido pela política de desenvolvimento de Stalin, durante seu governo.

Vítimas do Holodomor de Stalin
Holodomor (em ucraniano: Голодомор) é o nome atribuído à fome de carácter genocidário, que devastou principalmente o território da República Socialista Soviética da Ucrânia (integrada na URSS), durante os anos de 1932 - 1933. Este acontecimento — também conhecido por Grande Fome da Ucrânia — representou um dos mais trágicos capítulos da História da Ucrânia, devido ao enorme custo em vidas humanas. Apesar de esta fome ter igualmente afectado outras regiões da URSS, o termo Holodomor é aplicado especificamente aos factos ocorridos nos territórios com população de etnia ucraniana: a Ucrânia e a região de Kuban, no Cáucaso do Norte.

Memorial Holodomor: para que jamais esqueçamos...
Diante destes episódios, e dos líderes políticos que os desencadearam, é pertinente perguntar: o que há de errado em ideais como o socialismo, por exemplo? Com o ideal socialista, nada. Com a ideologia socialista, tudo. É, antes de qualquer outra coisa, uma questão de métodos e princípios. O ideal que surge do desejo por uma sociedade igualitária, fraterna e harmônica é lindo e venerável. Eu mesmo desejo viver em um mundo assim. E quem não desejaria? Costumo dizer que eu sou um "socialista utópico": a sociedade que desejo já foi imaginada, mas tal ideal é, por muitos, considerado um sonho impossível, uma utopia. Desejo algo como o que se imagina que é o Jardim do Éden dos cristão, ou os Campos Elíseos dos gregos, ou o estado de Nirvana dos budista, ou como o que se  tem em "Nosso Lar", colônia espiritual descrita no romance mediúnico de Xico Chavier, que tornou-se vídeo recentemente. Um lugar, como estes, é algo sem paralelos em nosso mundo, e em nossa história...

O problema, como falávamos, não está neste tipo de sociedade, mas no método empregado para alcançá-la. Existe um ditado alemão que diz mais ou menos assim: "nenhum produto final pode ser melhor que sua matéria prima".  E, falando em Alemanha, alguém se lembra do Muro de Berlim? Pois é... Este é um caso típico. Como é possível florescer uma sociedade de paz, amor e igualdade entre os escombros de guerra, ódio, injustiça e morte? Eis um verdadeiro paradoxo. Como o ódio pode gerar amor? Como a injustiça pode gerar igualdade? Como a coerção pode gerar liberdade? Como mentiras podem gerar verdades? Como? E isto me lembra uma citação bíblica: "reconhece-se a árvore pelos seus frutos". Assim sendo, também é possível reconhecer, pela semente, a árvore que ela virá a ser...


Não consigo acreditar que alguém que seja capaz de mentir tão fácil e descaradamente, possa dar fiel cumprimento ás suas palavras. Pior que isto: creio que quem é capaz de matar, e tramar a execução de várias pessoas e a realização de vários crimes, em nome de uma ideologia, também é capaz de fazer muito mais, e muito pior.

Stalin fez. Hitler fez. Mussolini fez. Mao Tse fez. Saddan fez. Fidel fez e faz. E não estou disposto a permitir que outra pessoa, que tão claramente defende os mesmos ideais, utilize-se dos mesmos métodos e tenha os mesmos escrúpulos que estes, tenha, aqui e agora, a oportunidade de fazer o mesmo tipo de barbárie que fizeram em suas respectivas nações.

Stalin & Mao Tsé
Não acredito na existência de uma "democracia brasileira". Tampouco acredito que o atual sistema político/administrativo do Brasil seja impecável. Para mim, este está pra lá de pútrido e decomposto. Precisamos de algo novo, e radicalmente diferente. Mas enquanto não surge este novo sistema de política democrática e administração pública, livre da corrupção patente e descarada que existe agora, o mínimo que podemos fazer é escolher alguém ou algo que não seja maléfico, malévolo, venal e perverso.

Quem, ou o quê, matou Tamayo?
Por uma questão de respeito aos meus próprios princípios e valores, e por respeito ao que ainda resta de justo e sagrado em meu país, não irei meramente votar em Serra, ou no PSDB. Simplesmente irei votar contra o ideal deturpado e vil que vem pela pessoa de Dilma, e contra a política corruptara e corruptível do PT.

O BRASIL PODE MAIS!!!
_______

domingo, 19 de setembro de 2010

Eureka, irmãos!

AVISO: Em virtude de uma desgostosa interjeição que sofri, estes dias, e em outros tantos dias ao longo de minha vida, por conta de diferenaças religiosas, irei fazer esta postagem. Por muitas vezes eu a evitei. Geralmente sou tolerante e parcimonioso, e suporto, com resignação, certos comentários e atitudes. Entretanto, para tudo existe um limite, e eu já não consigo suportar, silenciosamente, a "opinião" apaixonada, virulenta e descabida de gente que não tem o menor respeito pelo alheio. Me dirigirei, portanto, aos que se acham senhores absolutos e incontestes da Verdade.
_______


Talvez esta venha a ser, dentre todas as minhas as postagens que já fiz até hoje, mais antipática. Mas, em defesa dela, posso dizer tão somente duas coisas, e ambas são ditos populares famosos:

A primeira é: "É impossível que não venham escândalos, mas ai daquele por quem vierem!" (Lucas, 17:1). E, acreditem, não sou eu o autor dos escandalos...

E, caso a primeira não tenha significado algum, eis a segunda: "Que diabo se importa?"

Polêmico? Eu? Sempre! Devo isto à uma peculiaridade que considero, em dados casos, uma dom e uma benção: a capacidade de ser inquieto, de não me dar por satisfeito, de questionar, de buscar compreender, ao invés de acatar, mecanicamente.

E é por isto que estamos aqui.

"Eureka" é uma palavra grega que tem, por significado, "encontrei". Tornou-se mundialmente famosa graças à Arquimedes, que havendo compreendido um princípio físico/matemático que lhe renderia fama, no instante em que estava numa banheira, saiu rua afora, nu, comemorando sua descoberta. 



Deve ter sido um escândalo, é claro. Mas foi e é compreensível: para ele, foi o equivalente à ser o ganhador da "mega-sena" acumulada. Imagine-se, numa banheira, no exato momento do sorteio, e com o bilhete na mão, descobre que foi o único ganhador de um prêmio milhonário. Pois é...

Mas escandalosa mesmo, de verdade, é a situação social que temos em nosso país, principalmente hoje em dia. Se você pensou na política, sinto muito em lhe dizer, mas você está ligeiramente longe da verdade. Não seixa de ser algo político, mas a natureza exata do infortunio que vivemos é a religião.



Religião, para mim, é algo sagrado. Não importal qual, TODAS são sagradas, e TODAS merecem igual respeito e consideração. Não existe religião melhor ou pior. Existem religiões diferentes. Assim como também existem fiéis bons e ruins, e isto é um fato que ninguém pode ignorar. Mas hoje em dia, vem a pergunta que, no passado, tinha uma resposta diferente da que penso existir agora: A Religião sobrevive aos seus religiosos?

Hoje eu li, nos tabloides eletrônicos, que o atual Papa, formalmente, pediu desculpas às vítimas dos padres criminosos. Realmente, é lamentável esta situação, mas é ainda mais lamentável lembrar - ou tentar esquecer - que não é de hoje que crimes e criminosos se encontram dentro da Santa Igreja. Tais crimes e criminosos não são de agora, e estes, dos quais temos notícias, não serão os ultimos.


Mas há crimes e criminosos em todas as religiões. Se assim não fosse, não haveria necessidade delas. A função e missão das religiões é encaminhar as pessoas ao caminho da retidão e evolução espiritual, de modo que elas possam se tornar melhores. Mas há, infelizmente, um ramo religioso que se destaca pelas discrepâncias entre o discurso e as práticas dos religiosos. Na boca destes, eles mesmos são perseguidos constantemente, mas qualquer um que não seja de sua fé, por estes é perseguido e ultrajado, desrespeitado em sua própria crença ou por ser representante dela. Aliás, não precisa nem ser de outra religião: basta não ser da mesma congregação, e os conflitos se iniciam.

Sabe que religião é esta? Ainda não? Pois vou dar uma dica, e em forma de música. Na letra do conjunto Velhas Virgens, "Aposentadoria de Malandro":

- Alô Bezerra!

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Que foi sangue ruim
A vida inteira
E depois de velho
Quer virar santo
Esse era o cara
Que quando era novo
Fumava e bebia
Não tinha amigos
Não tinha família
Onde passava
Era só confusão
Fez falcatrua
Roubou de cego
E de aleijado
Mas hoje em dia
Entrou prá igreja
E diz que tá regenerado...

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Deu cheque sem fundo
Tomou emprestado
E não pagou
Vendeu aquilo
Que não era dele
E até os amigos
Ele caguetou
Ganhou tanta grana
Comprou jatinho
E lancha a motor
Depois de rico
Entrou prá igreja
E hoje diz que é pastor...

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Quando via um mendigo
Tratava sempre na porrada
Pintava e bordava
Com a filha dos outros
E largava depois que enjoava
Mas hoje em dia
Faz sermão
Dá grito e reclama
Diz que sexo sem casamento
É coisa de gente sacana...

Isso prá mim
É aposentadoria
De malandro...(2x)

Esta não é a letra integral, e qualquer um pode encontrá-la na internet. Mas o fato é: eu, que sou de família evangélica, sei bem como algumas pessoas, de má índole e por vezes de má fé, conseguem conspurcar uma religião que tinha tudo para ser bela, mas que, para muitos, torna-se extremamente antipática e incomoda.

Bezerra da Silva, em muitas de suas músicas sobre a vida e o cotidiano nos morros cariocas, já falava dos "ladrões de gravata". Eu mesmo já passei poucas e boas por conta destes, que nada mais são que lobos em peles de cordeiro. Aliás, na pele de pastor!



Nada contra a religião. Tampouco contra os fieis. Mas a fé cega só pode criar extremistas, e nunca à obreiros. Pensem nos radicais islâmicos, os xiitas. Pensem nos nazistas (sim, um belo exemplo de cristãos radicais e extremistas). Pensem nos inquisitores (novamente, cristãos radicais e extremistas). Dentre todas as religiões, nenhuma tem mais sangue em suas mãos do que o cristianismo. E mesmo que se juntem todas as outras, ainda assim, o conjunto delas não iria superar o cristianismo em culpas, crimes e atrocidades "em nome de Deus". E é uma religião tão bela, tão nobre e tão benevolente. Os ensinamentos de Cristo são praticamente iguais aos que se tem nos ensinamentos de Buda, que é igual ao que se tem nos ensinamentos de Lao Tsé, que é igual os ensinamentos de Krishna, que e igual a constatação de inúmeros outros sábios e profetas e homens santos e divinizados, encontrados aos montos nas mais diferentes e diversas culturas e nações.

O problema não é Cristo. Nem o Cristianismo. O problema são os "Cristãos". Coloco entre aspas pois não considero ser, um verdadeiro cristão, a pessoa que, em nome de Cristo, e dos ensinamentos de Cristo, viola as próprias palavras e ensinamentos de Cristo:

Mestre, qual é o grande mandamento na lei?
E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento.
Este é o primeiro e grande mandamento.
E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.

Livro de Mateus, Capítulo 22, Versículos de 36 a 40.

Aprendi, desde pequeno - pois sou de berço cristão - que não se pode amar ao Pai sem que se tenha amor pelos filhos, e não se pode amar aos filhos sem que se tenha amor pelo Pai. Um depende do outro. E como pode, então, uma pessoa que diz "amar a Deus", ter tanta ojeriza por Seus filhos, quer sejam eles de outras igrejas e/ou religiões? Ou até mesmo por ser diferente, ter preferências e gostos diferentes?



Não existe amor sem respeito. Não existe amor sem compreenção. Não existe amor sem consideração. Não existe amor sem empatia. Não existe amor sem simpatia.

Do mesmo modo, onde há intolerância, não há amor. Onde há discriminação, não há amor. Onde há subjulgação, não há amor. Onde há ódio, não há amor. Onde há pré-conceito, não há amor.

Mas o triste é que, infelizmente, devemos a intolerância etnica e religiosa, tão velada e tão presente nos dias de hoje, à própria indulgência dos crentes às palavras de seus "pastores", pois são eles os (de)formadores de opiniões. E, para muitos, é mais fácil ir à igreja ouvir alguém explanar seu entendimento, de modo a parecer que ele é o dono da verdade, do que buscar a verdade por si mesmo, com seus própriso olhos, com seu próprio entendimento.

Onde estão os "olhos de ver e ouvidos de ouvir"?


Há sabedoria e sensatez naquele que, possuindo o poder e a oportunidade de pensar por si mesmo, cede seu pensar a outra pessoa, e faz do pensamento desta, sem qualquer questionamento, o seu próprio pensamento?

Cegos conduzindo cegos. Ou melhor, cegos se deixando conduzir por outros cegos...

Creio que não seja nem sábio nem sensato, mas é o que mais vemos hoje em dia, nas milhares e milhares de "Igrejas" que surgem, velozes e vorazes como pragas de gafanhotos, sustentadas por pessoas que, em boa parte das vezes, não possuem sequer a mínima virtude necessária à um sacerdote: amor incondicional. A única coisa de que sabem falar é de $$$, e nada mais.


E se for correto o que dizem nestas e em outras Igrejas ao redor do mundo, então estamos vivendo "O Fim dos Tempos", pregados pelo livro Apocalipse. E, sendo isto uma verdade, também são verdadeiros os vários alertas contidos tanto no Novo Testamento quanto no Antigo, quando nos chama a atenção quanto aos "falsos profetas":

Amados, não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus, porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo. (1 João 4:1)

E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. (2 Pedro 2:1)

Ai de vós quando todos os homens falarem bem de vós, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas! (Lucas 6:26)

E, por fim, o meu favorito:

Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura, colhem-se uvas dos espinheiros ou figos dos abrolhos? Assim, toda árvore boa produz bons frutos, e toda árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos, nem a árvore má dar frutos bons. Toda árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo. Portanto, pelos seus frutos os conhecereis. (Mateus 7:15-20)

Seja um bom "Servo de Deus", mas seja DE DEUS, e não do pastor. Orai, mas vigiais também. Nenhum profeta de Deus faz a vontade de Deus disseminando ódio, intolerância, discriminação ou pré-conceito. Nenhum servo de Deus trata o seu próximo como se o Julgamento Final - que porventura não pertence ao homem - já houvesse ocorrido, e que aquela pessoa já estivessem condenadas. Quem, dentre nós, conhece as vontades e os pensamentos de Deus? Estariamos, portanto, habilitados a falar por Ele ou julgar em Seu lugar?

Até vale a pena repetir um comentário que ouvi, tempos atrás: "Então me apresente a 'Procuração de Deus', delegando a você o poder e a exclusividade de representá-lo!"

Pois então.

A estes, que se assemelham tanto aos nazistas, aos xiitas, aos inquisitores e a tantos outros fanáticos extremistas radicais, dou apenas mais um alerta: nos tempos de Jesus, haviam os "Doutores da Lei", igual a vós. Estes eram os "Escribas" e os "Fariseus". Lembra-se? Não? Pois vou ajudar a lembrar:

Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas. Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas... (Mateus 23:23-33)

Assim sendo, tenham cuidado com suas palavras, queridos proselitistas, e com a autoridade com que se revestem, em nome de Deus e de Cristo, pois 'em verdade eu vos digo', vocês não estão se distanciando muito daqueles doutores da lei.



E, para concluir, gostaria de deixar, aos que se revoltaram com minhas palavras, e se sentiram ofendidos por ela, que leiam a seguinte parábola:
 
Por isso o reino dos céus pode comparar-se a um certo rei que quis fazer contas com os seus servos;
E, começando a fazer contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos;
E, não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, e sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo quanto tinha, para que a dívida se lhe pagasse.
Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.
Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.
Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos, que lhe devia cem dinheiros, e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves.
Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei.
Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida.
Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito, e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara.
Então o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste.
Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?
E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.
Assim vos fará, também, meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.

Mateus 5:23-35

Ah, sim! Sobre a pergunta que fiz, quanto à sobrevivência da religião, acredito que sim, elas sobrevivem, mas não como as mesmas, e, caminhando na estrada por onde caminham ultimamente, certamente elas sobrevivem com toda a sorte de distorção, deturpação e deformidade...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

INFORMAÇÕES & ORGANIZAÇÕES

Saudações a todos.

Estou retomando a normalidade de minhas atividades, e isto requer uma demanda de tempo e, principalmente, de organização.

Assim sendo, estou dividindo minhas atividades, ordenando-as para que nenhuma delas fique entregue à própria sorte, até mesmo porque eu também sinto a necessidade de falar de outras coisas, outros temas, com outras formas de falar.

Reativei meu antigo Blog, o SAPIENS CORDIS - "Sabedoria do Coração", e à ele estou destinando as mensagens que foram como as postadas aqui até o presente momento. Deixarei o FIO DA KATANA para assuntos mais diversos e menos - se é que posso dizer - profundos...

Há ainda outros blogs que darei atenção. Um deles é o DIÁRIO DE PIT-BULL, onde estarei narrando o cotidiano e as inúmeras travessuras de minhas crianças, e as reflexões que surdem do convivo com elas. Outro, ainda, é o complexo de blogs da SONARQ, o qual anda muito abandonado, e merece maior dedicação. Estarei cuidando dele também.

Então, caros leitores, estarei organizando meus dias do seguinte modo:

SEGUNDAS e QUINTAS-FEIRA, serão os dias de postagens no SAPIENS CORDIS
TERÇAS e SEXTAS-FEIRAS, serão os dias de postagens n'O FIO DA KATANA
QUARTAS-FEIRAS e SÁBADO, serão dias de postagens em um dos blogs da SONARQ
DOMINGOS serão dias de postagens randômicas, e eu jogarei 1D6 (um dado de seis lados) para saber em qual blog estarei postando.
COTIDIANAMENTE estarei efetuando postagens no DIÁRIO DE PIT-BULL.

Espero contar com a visita de todos.

Cordialmente,

Henrique "Mestre-Hentai" Júnior

terça-feira, 27 de julho de 2010

A vida numa panela

______________

Certos dias da semana parecem possuir "alma" própria. O Domingo é um deles. Para mim, o que torna o domingo um dia especial, ao ponto de ter sua "alma", são as memórias à ele vinculadas. A mais deliciosa, literalmente falando, é a que tenho do domingo como uma reunião de amigos e, atrevo-me a dizer, de familiares.



Vejo-me constantemente, nestas recordações, sentado junto à uma pequena mesa circular, no centro de uma cozinha bem organizada e aconchegante. À frente do fogão, um senhor aparentemente frágil, mas que desmente tal aspecto com seu gênio forte, caráter ilibado, temperamento audaz, impetuoso jeito de ser e  munido com seu eterno bom humor, prepara um Arroz de Carreteiro. Enquanto faz sua mágica, sua voz grave e sonora fala-me sobre coisas como cultura, tradição, espiritualidade, família, amigos, vida, viver, dignidade, integridade, hombridade, lealdade, amizade, esperança... E os assuntos se sucedem e se misturam com tal harmonia, que parecem ser sempre a mesma conversa, ainda dentro do mesmo tema.

As risadas são constantes, mesmo em assuntos sérios e doloridos. E as mais belas e valiosas lições de vida são compartilhadas com humor e -  por que não? - certo deboche: ri-se da seriedade demasiada que se dá as coisas, e ri-se de si mesmo diante das próprias tolices, loucuras, vacilos e erros. É quando aprender torna-se fácil e divertido. E é quando se compreende que viver é mais do que o que se faz, e menos do que se imagina dever fazer, e que é sempre possível recomeçar, mesmo nas mais difíceis situações.

Este senhor, diante do fogão, me chama com frequência para aprender o segredo de seu "secretíssimo" toque gastronômico.

"Veja, meu caro Hentai. É preciso que esteja assim... Tem que estar deste modo... É assim que a gente faz lá em... Veja a cor... Veja o brilho... Sinta o cheiro...", ele diz. "Eu nem preciso provar: só de ver, e sentir, sei o que falta, e sei quando está bom". "Medida é coisa de gente fraca: eu vou é no olhômetro"! E eu me divirto com seu jeito de ser, e com sua didática extravagante e original.



Nos domingos de minha memória, quando estou como convidado deste nobre anfitrião, a mesa é servida por todos, e as honras são dadas à Senhora da Casa, sua esposa, fiel companheira, testemunha e motivação de sua trajetória. Antes, durante e depois das refeições de domingo, vejo os dois brincarem, e trocarem carinhos e afagos. Há todo um teatro, e eu vejo a cumplicidade que une os dois, principalmente nela, que participa das brincadeiras mesmo sem estar nem aí pra elas. Há, sim, os desentendimentos, mas mesmo estes parecem ter, como as demais coisas deles dois, a particularidade de suas cores, e uma aura de peculiaridade, somada à imponente impressão de que no universo deles, na intimidade do lar deles, eles se entendem em um nível que só é compreensível plenamente pelos dois, e somente pelos dois.

Rodeados por um magnífico jardim, tratado com esmero e dedicação, e entre brindes e gracejos, vou aprendendo o jeito correto de portar-me à mesa, e de ser civilizado durante a refeição. E a cada um destes domingos, torno-me melhor, mais culto, mais espiritualizado, e mais refinado. Expando o significado de "companheirismo" e de "fraternidade". E vejo, nas rugas e no manquejar dos dois, tudo do que desejo ter, para mim, quando eu mesmo tiver visto tantas primaveras quanto eles.

 Ainda em meio ao exuberante jardim, e sempre que possível, o chimarrão entra na roda. De mão em mão, ele torna-se o exemplo materializado da tradição de um povo, e dos costumes que superam os limites do tempo e do espaço. Tudo tem um gosto meio ritualístico: há o jeito certo de preparar, há o jeito certo de servir, há o jeito certo de tomar, há o jeito certo de pegar, abastecer de água, e servir ao próximo. E qual é o jeito certo? O jeito da TRADIÇÃO.



Enquanto o chimarrão passa de mão em mão, histórias de um tempo distante, mas vívido, ecoa pelo jardim carregados pela voz de tenor. Histórias de uma família, contada às gerações sem jamais se perder, ganha vida na imaginação da seleta plateia que a ouve atentamente. E é quando percebo: somos, também, parte desta família.

E isto me honra. Nada poderia ser mais enobrecedor.

No final do dia, nós nos despedimos. Mas há sempre a promessa do "no próximo domingo". E por mais que demorem, estes domingos chegam. As vezes só os dois nos recebem. As vezes a família toda se reúne. Duas ou três gerações se encontram, mas a impressão é que mesmo os mais distantes antepassados estão lá, em espírito, apreciando e participando da reunião, e assim como eu e tantos outros, se riem das histórias e dos causos contados nas rodas de chimarrão.



"Tchau, Mocho!", saudação ao guardião espiritual da casa, é a penúltima coisa que digo ao sair pelos portões daquele lar-fortaleza. A ultima é sempre "até mais, Professor". E esta ultima palavra sai de minha boca carregada de importância, nobreza e admiração. E é observando a figura dele que eu me sinto honrado com a profissão que escolhi para mim. Com um aperto de mãos, viro-me para ir embora, e já com a intenção de voltar mais uma vez. Sempre mais uma vez. Sempre.

Ao chegar em casa, geralmente alguns quilos mais pesado, e muitos anos mais sábio e vivido, relembro a beleza de tais momentos, tão apreciáveis, e  alimento-me deles, e com eles me entrego ao sono. E nos dias que se seguem eu continuo a viver os "outros dias da semana", com a cotidiana luta e labuta. E quando chega o domingo, mesmo não estando lá, inicio o ritual todo novamente:

"Bom dia, Mocho! Bom dia Professor! Bom dia Dona Rosa!"

Nestes domingos, quando não estou lá, faço-me presente em espírito, e torno meu próprio lar, na medida do possível, a cópia daquele ambiente venerável. E se vou preparar o arroz, lembro-me das histórias, e da voz reverberante a dizer: "vem ver Hentai, como é que fica. É assim que tem que ficar! Tá vendo?".

Nestes dias de domingo a vida se torna uma celebração, e para mim, Viver Bem passa a ter um referencial, e saber viver torna-se tão simples quanto saber cozinhar. É essencial ter sensibilidade, pois é preciso "extrair o que há de melhor em cada ingrediente". É necessário ser atencioso, para "utilizar estes ingredientes na hora certa, e do jeito certo". É preciso ser bem humorado, bem articulado, bem ativo e criativo, para que o antes e o depois também façam parte da refeição.

Hoje, quando eu olho para uma panela de arroz, eu penso na vida. E digo a mim mesmo, com um sorriso cândido nos lábios:

"É... A vida cabe numa panela de arroz".

______________

domingo, 25 de julho de 2010

Entre o 8 e 80

______________

As vezes é necessário parar e pensar na própria vida, ações, reações, crenças e convicções. É necessário avaliar nosso relacionamento com o mundo e com as pessoas, e nosso próprio proceder e condução entre as coisas que nos rodeiam. As vezes fazemos isto voluntariamente. Outras vezes é a vida quem nos empurra para este processo, gostemos disto ou não.

Recentemente eu estive diante de uma escolha peculiar. Uma escolha que, invariavelmente, mudaria minha vida por completo. E embora parecesse ser uma escolha simples, ela traria grandes consequências, implicações e responsabilidades. E estas me acompanhariam costantemente.



A escolha era a seguinte:
>>> Devo permanecer com esta minha "síndrome de messias", ou devo abraçar o modo blasé de viver?

Em curtas palavras, eu estava me propondo o "ou oito ou o oitenta".

Quando nos encontramos numa situação que nos desagrada por completo, e que nos traga sofrimento e angustia, tendemos à ir de encontro ao seu oposto. Mas a vida não se move entre as extremidades, e não há sabedoria no extremismo, ou em colocar-se em situações extremas. Neste caso em especial, o da natureza de tal escolha, tudo é ainda mais complexo e delicado.

A "síndrome do messias" é um fenômeno de ordem comportamental e/ou psicológica, geralmente com fortes raízes em mentalidades e motivações religiosas, e que ocorre quando alguém tenta, sacrificando-se de todas as formas possíveis, imagináveis e inimagináveis inclusive, salvar o mundo e as pessoa s (quer elas queiram ou não). Tal objetivo desconhece limites, e alimenta-se da expressa e eminente necessidade de ajudar ao próximo e/ou combater os vícios que consegue observar, não importando as consequências e os custos de seus atos e escolhas à si mesmo.



É um caminho difícil e sofrido. Geralmente que se lança a ele o faz de modo inconsciente ou não, dependendo de cada caso. Mas o fato é que são, geralmente, indivíduos com fortes, firmes e tenazes qualidades morais e éticas, e que não toleram, de modo algum, elementos que não estão de acordo com seus rígidos padrões de conduta. Elas se importam com tudo e com todos, nada é pequeno ou grande demais a ponto de ser ignorado ou relevado, e todo esforço é válido na conquista das boas virtudes, da justiça e da retidão dos valores morais, éticos e espirituais. Cobram muito dos outros, mas cobram bem mais de si mesmas, e quando algo não está de acordo com seus objetivos e planos, ela sofre. E, neste mundo, quase nada sai conforme a vontade deste tipo de pessoa, então o sofrer, para elas, é constante.

Mas há outro caminho, e quem se conduz por ele recebe o nome de blasé.

Blasé é a pessoa que não se importa e nem se impressiona com nada. Ela é indiferente e insensível às coisas do mundo e das pessoas, como se tudo lhe fosse excessivamente familiar, e que por isto mesmo perdera toda e qualquer importância ou capacidade de impacto. Muitas vezes a conduta de um blasé é confundida com arrogância, como se este tipo de individuo fosse muito cheio de si, ou coberto por ares de pomba. Outras vezes parece-nos que ele é extremamente entediado e entediante. Assemelha-se, à nível emocional, aos mortos-vivos.



Então, ser blasé é não se importar, não ligar, não se surpreender, não se emocionar, não se envolver, e mesmo ser radicalmente indiferente e insensível, ao ponto de aparentar (ou ser) frio e esnobe diante das coisas do mundo e das pessoas.

Estes são os dois extremos que comumente surgem como possibilidades de um proceder perante a vida, a qual está intimamente ligada às pessoas que nos cercam, e ao mundo em que vivemos. E é interessante como estes estremos estão muito presentes nas várias pessoas do mundo, notem elas isto ou não.

A vida é, naturalmente e normalmente, cheia de dilemas e escolhas difíceis. Dependendo da pessoa, de sua natureza íntima, de suas crenças e convicções, algumas escolhas são mais fáceis do que outras, e as vezes sequer há escolha. É como uma pessoa que, sendo comprometida com outro, se vê diante da possibilidade de num momento de delírio e paixão com um terceiro alguém, e então se pergunta: ser ou não ser infiel? Este caso ilustra uma parte dos dilemas e escolhas, mas há outros, bem diferentes, e no entanto, igualmente relevantes, dependendo da pessoa que tem que "escolher".

Difícil é encontrar alguém que seja capaz de sofrer com a escolha. Geralmente sofre-se com as consequências e repercussões das escolhas que já foram feitas. A coisa mais fácil deste mundo é encontrar alguém que já tenha se arrependido de algo. É mais complicado encontrar alguém que não tenha se arrependido. E não estou falando de discursos verborrágicos, que só se tornam reais da boca pra fora. Estou falando das mais sinceras e verdadeiras impressões pessoais. E por menor que seja, arrependimento é arrependimento.



Os que sofrem da "síndrome do messias" estão sempre arrependido de algo, mesmo que este algo seja uma das suas muitas tentativas de fazer o certo. Do outro lado, o blasé nunca está arrependido de nada: ele não se importa, não é mesmo? Não há arrependimentos à blasés... E não há serenidade nos "messias", pois estes estão em constante conflito, e o único retorno certo, para eles, é o martírio auto-aplicado.

Que fazer, então? Se importar, ou não se importar?

"Ser ou não ser, eis a questão"!

Talvez a melhor resposta para este enigma esteja em um tipo de pensamento que surge, há milênios, no extremo Oriente: "o Caminho do Meio".

"O Caminho do Meio" é um termo muito comum, e eventualmente aplicado aos ensinamentos budistas. Significa, entre muitas coisas, não se deixar conduzir por extremos. A vida de Siddhartha Gautama é muito bonita simbólica, e sem conhecê-la, não se conhece o budismo, e muito menos o significado desta expressão magnífica que é "o Caminho do Meio".

Na primeira fase da vida deste que é considerado o nosso primeiro grande "Iluminado", Siddhartha Gautama era um príncipe indiano nascido sob uma professia. Tal professia dizia que ele seria "O Senhor do Mundo". Mas tal expressão tinha dois significados: ou ele seria "Senhor", enquanto regente e dominador, ou seria "senhor" enquanto um mendigo errante. Para evitar a segunda possibilidade, e concretizar a primeira, seu pai o rodeou com toda sorte de belezas, encantos e prazeres. Ele tinha tudo, sempre do melhor. E desconhecia as desgraças do mundo. Acidentalmente, em sua juventude, ele conheceu de uma única vez, a Miséria, a Velhice, a Doença, a Morte e a Loucura. Ele se surpreendeu muito com esta "descoberta", e dela não se esqueceu, e tal incômodo cresceu em seu interior, e tornou-se um descontentamento. E, então, inicia-se a segunda fase de sua vida, que é a busca pela "Verdade".

A segunda fase da vida de Gautama é um contraponto à opulência em que ele havia vivido até então. Buscando a Sublime Verdade do Mundo, ele tornou-se um asceta, o que significava não só entregar-se à meditação e à práticas de exercícios e/ou estudos sagrados, mas também - e principalmente - à privar-se de praticamente tudo relacionado à vida mundana. As práticas ascetas eram uma espécie de flagelo voluntário, só que bem pior do que se pode imaginar. Frequentemente entregues à inanição, passavam semanas, e as vezes meses, sem mover um único músculo, paralisados numa posição sagrada, meditando. E Gautama quase chegou à morte, pois havia levado à sério, e ao extremo, tais práticas.



Gautama tornou-se um "Iluminado" quando percebeu que os dois extremos de sua vida - a opulência "mundana" e o auto-martírio "sagrado" - eram enganosos, e que não trariam, por si mesmos, nenhuma satisfação plena, verdadeira e duradoura. Percebeu que o Imponderável da Vida vinha sobre todos, ricos ou pobres, belos ou feios, nobres ou plebeus, fortes ou fracos, sagrados ou mundanos, santos ou profanos... Ele percebeu que todos, sem qualquer exceção, estavam sujeitos aos mesmos inevitáveis males. E que não seria em qualquer extremo que as pessoas escapariam destes males. Assim ele nascia "O Caminho do Meio".

De fato, se aplicarmos isto aos dias de hoje, compreendemos facilmente que Viver Bem é como andar sobre a corda-bamba. E esta corda atravessa um profundo abismo. Não podemos pender demais para um lado, pois cairíamos. E nem para o outro, pois cairíamos do mesmo jeito. Viver Bem exige equilíbrio, e este equilibrar-se é estar exatamente no meio.



E o que é o equilíbrio da vida? Certamente, em primeiro plano, é fugir dos extremos. Nem buscar ser um "messias", e nem ser um "blasé". Nem é se importar demasiadamente com tudo, tampouco ser indiferente á tudo. É fazer o que puder ser feito, e bem feito. Nem mais, nem menos.  À isto é necessário reconhecer e  aceitar que existem limites diversos, e que se alguns podem (ou devem) ser superados, outros já não são.

Lembro-e, novamente, da citação que fiz em outra postagem:
"Senhor dá-me serenidade para aceitar tudo aquilo que não pode ou não deve ser mudado. Dá-me força para mudar tudo o que pode e deve ser mudado. Mas, acima de tudo, dá-me sabedoria para distinguir uma coisa da outra."

Da escolha que eu tinha, aprendi que algumas pessoas podem e devem ser salvas. Outras até podem, mas não querem, e não aceitam, e toda ajuda torna-se um desperdício. Há ainda as que não podem, não querem e não aceitam qualquer salvação, e a estas só restam as lástimas. Reconhecendo isto e sabendo diferenciar um de outro, Viver Bem torna-se possível. Haverá, é claro, situações extremas, e é nelas e delas que nascem os verdadeiros mártires. Mas raramente surgem estas situações, e elas só são significativas e válidas diante de grandes causas e eventos. Não se prestam ao cotidiano ou à coisas menores. Então, o que puder ser feito, que seja feito. Se não puder,  peça  aos céus paciência e serenidade, e entregue nas mãos de Deus.

E se um dia você encontrar alguém que queira se jogar do precipício, faça sua parte, avisando dos perigos, das consequências e das repercussões, e apontando alternativas às coisas que à levam a tão desesperada medida. Mas se ainda assim, ela quiser se atirar, o melhor é não ir junto...

______________

sábado, 24 de julho de 2010

100% de nosso tempo

______________

Ninguém está conosco 100% de nosso tempo do nosso lado!

Talvez, dentre todos os seres da criação, dentre todas as formas de vida que pululam nosso planeta, o ser humano seja a mais solitária de todas. E, por incrível que possa parecer, o ser humano também é a mais paradoxal das criaturas: pois no mesmo instante em que é um ser consciente, pensante, imaginativo e planejador, ele também é profundidade ignorante de sua própria solidão.



De fato, é preciso entender o que é solidão, e o que é ser solitário.

Existem pessoas que, quando vistas, dão logo a notória e nítida impressão que nos faz disparar: "beltrano é uma pessoa solitária". Reconhecemos os sintomas da coisa, muito embora alguns encontrem dificuldades para expressar e explicar suas percepções, e como perceberam tais coisas. Conhecemos, muitas das vezes, o quadro geral, mas não sabemos esmiuçar e nem dissecar anatomicamente a tal da solidão.

Sabe-se que a solidão nunca é exatamente igual entre duas - ou mais - pessoas. É assim pois não existem pessoas que sejam iguais. Podem haver parecidas, externa e internamente, e sempre segundo diferentes aspectos mais observáveis que os demais. Mas o universo interior é bem mais insondável. Somos, em nossa intimidade, em função do trato social, como Icebergs: o que está evidente é apenas a menor parte do que somos, e o restante - algo em torno de 90%, digamos - encontra-se submerso, oculto pelas águas marítimas.



Ser solitário pode ser descrito de várias formas, mas somente um solitário pode descrever, com maior justiça e precisão, o que é solidão. Ser solitário é desejar estar sozinho, quando acompanhado, e desejar estar acompanhado, quando sozinho. É sentir-se isolado do mundo, ao mesmo tempo que deseja, profundamente, fazer contato com ele. É sentir-se não pertencente ao lugar onde está, e incompatível com tudo e com todos. É sentir-se discrepante em relação ao mundo que o rodeia, e incompleto em relação ao mundo de sua intimidade. A solidão, portanto, é uma eterna vontade de saciar algo, por vezes indescritível, e que não se encontra, por completo, em ninguém, e em lugar nenhum. É querer estar "completo" sem conseguir se completar, e nem saber como, quando ou onde completar-se.

Mas o que diferencia um "solitário" das demais pessoas são tão somente duas características básicas: em primeiro lugar, a intensidade de tais sensações, que são sempre maiores, mais profundas, mais presentes e mais pronunciadas; e em segundo lugar, a própria consciência de que algo falta em sua vida, embora nem sempre seja possível dizer o quer exatamente o que está faltando.



No fim das contas, quando nos lançamos à uma sincera e introspectiva avaliação, percebemos que somos todos solitários. O que pode variar é o grau da solidão, já que ela sempre será diferente conforme diferente são as pessoas.

Ninguém nasce em nosso lugar, por nós. E ninguém dará, em nosso lugar e por nós, o nosso ultimo suspiro. Quando vamos nos nutrir, o alimento deve entrar por nossa boca, e é ao nosso paladar que ele irá impressionar. Não pode ser de outro jeito. E quando nossa garganta está seca, não há quem beba por nós, e que possa nos saciar a vontade de beber. É pela nossa garganta que tal líquido tem que descer, e pela de ninguém mais. E quando vemos o mundo, ninguém mais tem acesso ao que nossos olhos estão vendo, ou o que nossa mente está pensando sincronicamente. Podemos até dizer o que estamos pensando, e até descrever o que estamos vendo, mas jamais será tão completo, e nem tão sincrético, quanto o que estamos vivenciando em nossa intimidade no exato momento em que este vivenciar está ocorrendo.



Quanto à isto, é interessante notar que mesmo quando falamos, conversando normalmente, haverá sempre a eterna diferença de tempo: ao tempo em que pensamos algo soma-se o tempo que usamos para expressar tal pensamento. E do mesmo modo, ao tempo que uma pessoa leva para nos ouvir soma-se o tempo que ela tem para absorver o que foi ouvido. Então, mesmo que haja entendimento entre aqueles que estão dialogando, este entendimento é atrasado, demorado, e por isto mesmo, diferente. Estamos, em relação ao que nos cerca, sempre com frações de tempo de diferença. É como agora: eu penso, depois escrevo, então você lerá, para só então entender. E entre nós haverá uma distancia temporal incomensurável. Eu sou, para você, como uma estrela: a luz que chega aos seus olhos partiu de mim há eras. O que você registra é algo como uma fotografia, um momento congelado no tempo. Eu continuo a evoluir, à medida em que o tempo passa, mas o que notam de mim - e de você - é apenas algo do passado, que já não é como é agora, no presente (que constantemente se torna passado). Até mesmo o que notamos de nós mesmos é passado. Estamos eternamente presos ao passado. Eternamente...

Além disto, há também a relação indissociável entre intimidade e solidão. Talvez seja, a intimidade, algo sinônimo e complementar à solidão. Não há intimidade sem solidão, e não há solidão sem intimidade. Toda solidão é intima. Toda intimidade é solitária. São as duas faces de uma mesma moeda. Uma moeda presa ás mãos do tempo.



Creio que seja isto, afinal, o que nos confere a humanidade: a vulnerabilidade ao tempo, à intimidade e à solidão. Desejamos a todo momento, ardorosa e intensamente, mesmo que inconscientemente, compartilhar nosso universo íntimo com os outros. E desejamos, do mesmo modo, entrar na intimidade alheia. Quanto maior for esta permuta, maior é o grau de "satisfação", mesmo que esta seja ilusória.

Creio que o segredo para se viver bem seja compreender esta singela e sutil verdade: somos solitários pois somos incapazes de compartilhar (e congregar), de modo completo e profundo, e em tempo real, a nossa intimidade com os outros. Somos nosso próprio universo, com as mesmas quantidades de mistérios e enigmas, com a mesma quantidades de belezas e encantos, com a mesma proporção de desconhecimento e de entendimento.

Dentre todos os animais, somos os mais infelizes. Os demais, que não possuem imaginação, criatividade, planejamento e consciência - como a nossa -, jamais irão sentir, como nós, tão ardente, profundo e intenso desejo de se completar em outro, ou em outros.



Depois de nós mesmos, somente a nossa própria sombra permanece mais tempo conosco. E ainda assim ela se vai, quando as luzes se apagam.

 ______________

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Uma "Xícara de Chá"

______________

"Você precisa tomar uma Xícara de Chá"!

A primeira vez que tomei conhecimento desta inusitada orientação foi através de uma leitura. Tratava-se de um livro Zen. Um dos poucos que conseguem, com algum sucesso, trabalhar algo de tão complexo conceito e tão vaga definição. Mas eu, que tenho por objetivo de vida compreender todas estas do complexo corpo/mente/espírito, consegui um meio de entender o Zen. Entendê-lo é fácil, explicá-lo continua sendo muito complicado. Pelo menos sem auxílio e o uso de outros recursos de similar natureza e origem.

O Zen é para o Japão o que a Malandragem é para o Brasil. Simples assim.

Há outros paralelos ligados à estes dois conceitos:  o bushi está para o capoeirista. O kabuki está para o samba. O sushi está para a feijoada. E assim vai...

Mas há na cultura nipônica algo de singular, e que não encontra similares em nossa cultura carnavalesca: o ato de cultivar a própria grandeza espiritual, e de cultuar as virtudes que fazem o espírito se engrandecer. E é dentro desta prática que floresce a corrente bushido-zen-hanami-chanoyu-bonsai.



Bushido, ou Bushi-Do, é o "Caminho do Guerreiro". "Bushi" é guerreiro, enquanto que "Do" é caminho. Sendo uma particularidade do Japão Feudal, samurai era um bushi que servia à um daimyo, que é equivalente à um Senhor Feudal, enquanto que um ronin era um bushi que não servia à daimyo algum. Miyamoto Musashi foi considerado o maior samurai de todos os tempos, e durante muitos anos ele foi um ronin.

Bushis como Miyamoto Musashi se destacavam, não só pela perícia marcial, mas também - e principalmente - pela sua grandeza interior. Segundo as palavras dos grandes mestres, um verdadeiro bushi é aquele que disciplina seu corpo, sua mente e seu espírito, elevando-os ao extremo, em busca da perfeição que se assinala até mesmo nos menores gestos e nos mais ínfimos detalhes. Como bem observamos na biografia dos grandes samurais, o "caminho do guerreiro" era um caminho de dedicação absoluta à esgrima e extrema disciplina mental, ambos totalmente focados na busca da perfeição, a qual manifestava seus resultados em todos os detalhes da vida do praticante.

Mas entender um bushi, imaginando que eles só sabiam guerrear e matar (ou se matar) é uma leviandade e um erro grotesco e vulgar. Os grandes bushis eram homens extremamente espiritualizados, e não há registro de um destes que não tenha sido uma pessoa que exalasse suavidade e que não fosse virtuosa. A guerra - incluindo o matar e o morrer - eram costumes globais, e estavam em todos os cantos do mundo naquela época. Mas eles fizeram disto um modo de desenvolvimento espiritual.

Doutrinar o próprio espírito. Desenvolver as virtudes. Combatar os vícios. Asserenar a mente. Extirpar as paixões. Estar além do ter e do ser: transcender. Esta era a proposta. E, pela busca desta grandiosidade humana, eles desenvolveram várias belezas, e cada uma delas possui a essência desta busca pelo desenvolvimento que se conduz à auto-perfeição.



O bonsai, a "árvore em bandeija", que nada mais é do que uma árvore miniaturizada, tornou-se celebre depois da trilogia Karatê Kid. O honorável Sr. Kesuke Miyagi, um velho muito zen (conceitualmente falando), que era o mestre do jovem Daniel Larusso, tinha por símbolo uma pequena árvore que se contrapunha ao sol: o contorno assombreado de seu bonsai. O surgimento do bonsai coincide-se com o surgimento da mentalidade zen, que se origina na busca pela perfeição pessoa entre os guerreiros. O bonsai era como a exteriorização do universo interior: "doutrinar" uma árvore selvagem, de modo que ela se torne "civilizada", também um meio de alcançar o objetivo primal do bushido. Disciplinar a árvore era disciplinar à si mesmo.



O Hanami já foi bem considerado em postagens anteriores e recentes, mas ele consiste em apreciar, socialmente, a beleza das flores. Este "apreciar" não se resume em ficar olhando apenas, mas antes em realizar uma série de atividades que tenham por objetivo "adentrar" - simbólica, artística e/ou filosoficamente - o universo das flores enquanto elementos efêmeros que simbolizam, de algum modo, a própria vida, sua beleza e sua fragilidade.

A Caligrafia é também muito importante, e ela muito se confundia com a Esgrima. Para um verdadeiro bushi, não bastava apenas treinar o corpo e o espírito, mas a mente também. O refinamento da mente estava na erudição, na contemplação e na meditação. E o espírito de uma pessoa refinada manifesta-se também em uma escrita refinada. Dominar a "pena" era também dominar a "espada", e vice-versa.



Chanoyu, é a "Cerimônia do Chá", e nela se resumem todos os princípios que acima foram explanados. E é aqui voltamos ao princípio da postagem.

Não há dúvidas de que a cultura japonesa tenha sido fortemente influenciado pela cultura chinesa. A China está para o Japão como a Grécia estava para Roma. Simples assim. E foi na China que apareceu um monge chamado Bodhidharma, que tornou-se lendário entre os praticantes de artes marciais, entre os sacerdotes e entre os monges.



Bodhidharma foi considerado um homem santo e um homem iluminado. Atribuem a ele a criação do Zen e também de uma das mais famosas e respeitadas técnicas marciais chinesas: o Kung Fu Shaolin. Neste ínterim, o Zen era uma modalidade de desenvolvimento espiritual que perfeitamente se adequava às necessidades dos guerreiros, em especial os do Japão. O budismo, assim como o cristianismo, prega a não-violência, seja ela qual for, e a preservação da vida. Retirar a vida de outra criatura é, por diversas e justas razões, proibido. Mas para a casta guerreira, matar ou morrer em combate - seja pela guerra ou por duelo - era algo inevitável e mesmo necessário: a própria manutenção da estrutura social baseava-se nisto. Então surge o Zen, que atenta o homem para a brevidade das coisas, desperta-o para a sensibilidade espiritual, dá-lhe serenidade e delicadeza, confere-lhe virtudes e disciplina, e com isto dá fim aos conflitos e dilemas espirituais, e então os guerreiros podem matar e morrer tranquilamente.



Parece loucura? Talvez seja... E talvez seja tão louco à nós quanto nossas coisas são loucas à eles. Cultura é cultura, e para entender a cultura de um terceiro é necessário abrir mão da primícia de que nossa cultura é a melhor de todas. As diferenças existem, e é necessário encontrar beleza nelas, pois sempre há. Sempre. E um bom meio de se vencer as barreiras do egocentrismo e dos vícios, e encontrar um caminho para a elevação pessoal que nos possibilita ver a beleza que há no mundo e nas diferenças que caracterizam e definem todos nós, é a meditação.



Bodhidharma foi o mais elevado exemplo de meditação profunda. À sua pessoa atribuem não só a criação do Zen e do Kung Fu Shaolin, mas também do Chá. Não do habito de tomar chá, mas da erva do chá oriental propriamente dito. E esta lenda está ligada à necessidade de meditar. E é justamente isto a raiz do Zen: é necessário meditar muito, e muito profundamente sobre tudo, para que as ilusões se dissipem, e a verdadeira face das coisas se revele. E quando alguém quer lhe dizer que é necessário se entregar a este tipo de meditação, diz:

"Você precisa tomar uma Xícara de Chá"!
______________