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Ninguém está conosco 100% de nosso tempo do nosso lado!
Talvez, dentre todos os seres da criação, dentre todas as formas de vida que pululam nosso planeta, o ser humano seja a mais solitária de todas. E, por incrível que possa parecer, o ser humano também é a mais paradoxal das criaturas: pois no mesmo instante em que é um ser consciente, pensante, imaginativo e planejador, ele também é profundidade ignorante de sua própria solidão.
De fato, é preciso entender o que é solidão, e o que é ser solitário.
Existem pessoas que, quando vistas, dão logo a notória e nítida impressão que nos faz disparar: "beltrano é uma pessoa solitária". Reconhecemos os sintomas da coisa, muito embora alguns encontrem dificuldades para expressar e explicar suas percepções, e como perceberam tais coisas. Conhecemos, muitas das vezes, o quadro geral, mas não sabemos esmiuçar e nem dissecar anatomicamente a tal da solidão.
Sabe-se que a solidão nunca é exatamente igual entre duas - ou mais - pessoas. É assim pois não existem pessoas que sejam iguais. Podem haver parecidas, externa e internamente, e sempre segundo diferentes aspectos mais observáveis que os demais. Mas o universo interior é bem mais insondável. Somos, em nossa intimidade, em função do trato social, como Icebergs: o que está evidente é apenas a menor parte do que somos, e o restante - algo em torno de 90%, digamos - encontra-se submerso, oculto pelas águas marítimas.
Ser solitário pode ser descrito de várias formas, mas somente um solitário pode descrever, com maior justiça e precisão, o que é solidão. Ser solitário é desejar estar sozinho, quando acompanhado, e desejar estar acompanhado, quando sozinho. É sentir-se isolado do mundo, ao mesmo tempo que deseja, profundamente, fazer contato com ele. É sentir-se não pertencente ao lugar onde está, e incompatível com tudo e com todos. É sentir-se discrepante em relação ao mundo que o rodeia, e incompleto em relação ao mundo de sua intimidade. A solidão, portanto, é uma eterna vontade de saciar algo, por vezes indescritível, e que não se encontra, por completo, em ninguém, e em lugar nenhum. É querer estar "completo" sem conseguir se completar, e nem saber como, quando ou onde completar-se.
Mas o que diferencia um "solitário" das demais pessoas são tão somente duas características básicas: em primeiro lugar, a intensidade de tais sensações, que são sempre maiores, mais profundas, mais presentes e mais pronunciadas; e em segundo lugar, a própria consciência de que algo falta em sua vida, embora nem sempre seja possível dizer o quer exatamente o que está faltando.
No fim das contas, quando nos lançamos à uma sincera e introspectiva avaliação, percebemos que somos todos solitários. O que pode variar é o grau da solidão, já que ela sempre será diferente conforme diferente são as pessoas.
Ninguém nasce em nosso lugar, por nós. E ninguém dará, em nosso lugar e por nós, o nosso ultimo suspiro. Quando vamos nos nutrir, o alimento deve entrar por nossa boca, e é ao nosso paladar que ele irá impressionar. Não pode ser de outro jeito. E quando nossa garganta está seca, não há quem beba por nós, e que possa nos saciar a vontade de beber. É pela nossa garganta que tal líquido tem que descer, e pela de ninguém mais. E quando vemos o mundo, ninguém mais tem acesso ao que nossos olhos estão vendo, ou o que nossa mente está pensando sincronicamente. Podemos até dizer o que estamos pensando, e até descrever o que estamos vendo, mas jamais será tão completo, e nem tão sincrético, quanto o que estamos vivenciando em nossa intimidade no exato momento em que este vivenciar está ocorrendo.
Quanto à isto, é interessante notar que mesmo quando falamos, conversando normalmente, haverá sempre a eterna diferença de tempo: ao tempo em que pensamos algo soma-se o tempo que usamos para expressar tal pensamento. E do mesmo modo, ao tempo que uma pessoa leva para nos ouvir soma-se o tempo que ela tem para absorver o que foi ouvido. Então, mesmo que haja entendimento entre aqueles que estão dialogando, este entendimento é atrasado, demorado, e por isto mesmo, diferente. Estamos, em relação ao que nos cerca, sempre com frações de tempo de diferença. É como agora: eu penso, depois escrevo, então você lerá, para só então entender. E entre nós haverá uma distancia temporal incomensurável. Eu sou, para você, como uma estrela: a luz que chega aos seus olhos partiu de mim há eras. O que você registra é algo como uma fotografia, um momento congelado no tempo. Eu continuo a evoluir, à medida em que o tempo passa, mas o que notam de mim - e de você - é apenas algo do passado, que já não é como é agora, no presente (que constantemente se torna passado). Até mesmo o que notamos de nós mesmos é passado. Estamos eternamente presos ao passado. Eternamente...
Além disto, há também a relação indissociável entre intimidade e solidão. Talvez seja, a intimidade, algo sinônimo e complementar à solidão. Não há intimidade sem solidão, e não há solidão sem intimidade. Toda solidão é intima. Toda intimidade é solitária. São as duas faces de uma mesma moeda. Uma moeda presa ás mãos do tempo.
Creio que seja isto, afinal, o que nos confere a humanidade: a vulnerabilidade ao tempo, à intimidade e à solidão. Desejamos a todo momento, ardorosa e intensamente, mesmo que inconscientemente, compartilhar nosso universo íntimo com os outros. E desejamos, do mesmo modo, entrar na intimidade alheia. Quanto maior for esta permuta, maior é o grau de "satisfação", mesmo que esta seja ilusória.
Creio que o segredo para se viver bem seja compreender esta singela e sutil verdade: somos solitários pois somos incapazes de compartilhar (e congregar), de modo completo e profundo, e em tempo real, a nossa intimidade com os outros. Somos nosso próprio universo, com as mesmas quantidades de mistérios e enigmas, com a mesma quantidades de belezas e encantos, com a mesma proporção de desconhecimento e de entendimento.
Dentre todos os animais, somos os mais infelizes. Os demais, que não possuem imaginação, criatividade, planejamento e consciência - como a nossa -, jamais irão sentir, como nós, tão ardente, profundo e intenso desejo de se completar em outro, ou em outros.
Depois de nós mesmos, somente a nossa própria sombra permanece mais tempo conosco. E ainda assim ela se vai, quando as luzes se apagam.
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