quinta-feira, 22 de julho de 2010

Uma "Xícara de Chá"

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"Você precisa tomar uma Xícara de Chá"!

A primeira vez que tomei conhecimento desta inusitada orientação foi através de uma leitura. Tratava-se de um livro Zen. Um dos poucos que conseguem, com algum sucesso, trabalhar algo de tão complexo conceito e tão vaga definição. Mas eu, que tenho por objetivo de vida compreender todas estas do complexo corpo/mente/espírito, consegui um meio de entender o Zen. Entendê-lo é fácil, explicá-lo continua sendo muito complicado. Pelo menos sem auxílio e o uso de outros recursos de similar natureza e origem.

O Zen é para o Japão o que a Malandragem é para o Brasil. Simples assim.

Há outros paralelos ligados à estes dois conceitos:  o bushi está para o capoeirista. O kabuki está para o samba. O sushi está para a feijoada. E assim vai...

Mas há na cultura nipônica algo de singular, e que não encontra similares em nossa cultura carnavalesca: o ato de cultivar a própria grandeza espiritual, e de cultuar as virtudes que fazem o espírito se engrandecer. E é dentro desta prática que floresce a corrente bushido-zen-hanami-chanoyu-bonsai.



Bushido, ou Bushi-Do, é o "Caminho do Guerreiro". "Bushi" é guerreiro, enquanto que "Do" é caminho. Sendo uma particularidade do Japão Feudal, samurai era um bushi que servia à um daimyo, que é equivalente à um Senhor Feudal, enquanto que um ronin era um bushi que não servia à daimyo algum. Miyamoto Musashi foi considerado o maior samurai de todos os tempos, e durante muitos anos ele foi um ronin.

Bushis como Miyamoto Musashi se destacavam, não só pela perícia marcial, mas também - e principalmente - pela sua grandeza interior. Segundo as palavras dos grandes mestres, um verdadeiro bushi é aquele que disciplina seu corpo, sua mente e seu espírito, elevando-os ao extremo, em busca da perfeição que se assinala até mesmo nos menores gestos e nos mais ínfimos detalhes. Como bem observamos na biografia dos grandes samurais, o "caminho do guerreiro" era um caminho de dedicação absoluta à esgrima e extrema disciplina mental, ambos totalmente focados na busca da perfeição, a qual manifestava seus resultados em todos os detalhes da vida do praticante.

Mas entender um bushi, imaginando que eles só sabiam guerrear e matar (ou se matar) é uma leviandade e um erro grotesco e vulgar. Os grandes bushis eram homens extremamente espiritualizados, e não há registro de um destes que não tenha sido uma pessoa que exalasse suavidade e que não fosse virtuosa. A guerra - incluindo o matar e o morrer - eram costumes globais, e estavam em todos os cantos do mundo naquela época. Mas eles fizeram disto um modo de desenvolvimento espiritual.

Doutrinar o próprio espírito. Desenvolver as virtudes. Combatar os vícios. Asserenar a mente. Extirpar as paixões. Estar além do ter e do ser: transcender. Esta era a proposta. E, pela busca desta grandiosidade humana, eles desenvolveram várias belezas, e cada uma delas possui a essência desta busca pelo desenvolvimento que se conduz à auto-perfeição.



O bonsai, a "árvore em bandeija", que nada mais é do que uma árvore miniaturizada, tornou-se celebre depois da trilogia Karatê Kid. O honorável Sr. Kesuke Miyagi, um velho muito zen (conceitualmente falando), que era o mestre do jovem Daniel Larusso, tinha por símbolo uma pequena árvore que se contrapunha ao sol: o contorno assombreado de seu bonsai. O surgimento do bonsai coincide-se com o surgimento da mentalidade zen, que se origina na busca pela perfeição pessoa entre os guerreiros. O bonsai era como a exteriorização do universo interior: "doutrinar" uma árvore selvagem, de modo que ela se torne "civilizada", também um meio de alcançar o objetivo primal do bushido. Disciplinar a árvore era disciplinar à si mesmo.



O Hanami já foi bem considerado em postagens anteriores e recentes, mas ele consiste em apreciar, socialmente, a beleza das flores. Este "apreciar" não se resume em ficar olhando apenas, mas antes em realizar uma série de atividades que tenham por objetivo "adentrar" - simbólica, artística e/ou filosoficamente - o universo das flores enquanto elementos efêmeros que simbolizam, de algum modo, a própria vida, sua beleza e sua fragilidade.

A Caligrafia é também muito importante, e ela muito se confundia com a Esgrima. Para um verdadeiro bushi, não bastava apenas treinar o corpo e o espírito, mas a mente também. O refinamento da mente estava na erudição, na contemplação e na meditação. E o espírito de uma pessoa refinada manifesta-se também em uma escrita refinada. Dominar a "pena" era também dominar a "espada", e vice-versa.



Chanoyu, é a "Cerimônia do Chá", e nela se resumem todos os princípios que acima foram explanados. E é aqui voltamos ao princípio da postagem.

Não há dúvidas de que a cultura japonesa tenha sido fortemente influenciado pela cultura chinesa. A China está para o Japão como a Grécia estava para Roma. Simples assim. E foi na China que apareceu um monge chamado Bodhidharma, que tornou-se lendário entre os praticantes de artes marciais, entre os sacerdotes e entre os monges.



Bodhidharma foi considerado um homem santo e um homem iluminado. Atribuem a ele a criação do Zen e também de uma das mais famosas e respeitadas técnicas marciais chinesas: o Kung Fu Shaolin. Neste ínterim, o Zen era uma modalidade de desenvolvimento espiritual que perfeitamente se adequava às necessidades dos guerreiros, em especial os do Japão. O budismo, assim como o cristianismo, prega a não-violência, seja ela qual for, e a preservação da vida. Retirar a vida de outra criatura é, por diversas e justas razões, proibido. Mas para a casta guerreira, matar ou morrer em combate - seja pela guerra ou por duelo - era algo inevitável e mesmo necessário: a própria manutenção da estrutura social baseava-se nisto. Então surge o Zen, que atenta o homem para a brevidade das coisas, desperta-o para a sensibilidade espiritual, dá-lhe serenidade e delicadeza, confere-lhe virtudes e disciplina, e com isto dá fim aos conflitos e dilemas espirituais, e então os guerreiros podem matar e morrer tranquilamente.



Parece loucura? Talvez seja... E talvez seja tão louco à nós quanto nossas coisas são loucas à eles. Cultura é cultura, e para entender a cultura de um terceiro é necessário abrir mão da primícia de que nossa cultura é a melhor de todas. As diferenças existem, e é necessário encontrar beleza nelas, pois sempre há. Sempre. E um bom meio de se vencer as barreiras do egocentrismo e dos vícios, e encontrar um caminho para a elevação pessoal que nos possibilita ver a beleza que há no mundo e nas diferenças que caracterizam e definem todos nós, é a meditação.



Bodhidharma foi o mais elevado exemplo de meditação profunda. À sua pessoa atribuem não só a criação do Zen e do Kung Fu Shaolin, mas também do Chá. Não do habito de tomar chá, mas da erva do chá oriental propriamente dito. E esta lenda está ligada à necessidade de meditar. E é justamente isto a raiz do Zen: é necessário meditar muito, e muito profundamente sobre tudo, para que as ilusões se dissipem, e a verdadeira face das coisas se revele. E quando alguém quer lhe dizer que é necessário se entregar a este tipo de meditação, diz:

"Você precisa tomar uma Xícara de Chá"!
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