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As vezes é necessário parar e pensar na própria vida, ações, reações, crenças e convicções. É necessário avaliar nosso relacionamento com o mundo e com as pessoas, e nosso próprio proceder e condução entre as coisas que nos rodeiam. As vezes fazemos isto voluntariamente. Outras vezes é a vida quem nos empurra para este processo, gostemos disto ou não.
Recentemente eu estive diante de uma escolha peculiar. Uma escolha que, invariavelmente, mudaria minha vida por completo. E embora parecesse ser uma escolha simples, ela traria grandes consequências, implicações e responsabilidades. E estas me acompanhariam costantemente.
A escolha era a seguinte:
>>> Devo permanecer com esta minha "síndrome de messias", ou devo abraçar o modo blasé de viver?
Em curtas palavras, eu estava me propondo o "ou oito ou o oitenta".
Quando nos encontramos numa situação que nos desagrada por completo, e que nos traga sofrimento e angustia, tendemos à ir de encontro ao seu oposto. Mas a vida não se move entre as extremidades, e não há sabedoria no extremismo, ou em colocar-se em situações extremas. Neste caso em especial, o da natureza de tal escolha, tudo é ainda mais complexo e delicado.
A "síndrome do messias" é um fenômeno de ordem comportamental e/ou psicológica, geralmente com fortes raízes em mentalidades e motivações religiosas, e que ocorre quando alguém tenta, sacrificando-se de todas as formas possíveis, imagináveis e inimagináveis inclusive, salvar o mundo e as pessoa s (quer elas queiram ou não). Tal objetivo desconhece limites, e alimenta-se da expressa e eminente necessidade de ajudar ao próximo e/ou combater os vícios que consegue observar, não importando as consequências e os custos de seus atos e escolhas à si mesmo.
É um caminho difícil e sofrido. Geralmente que se lança a ele o faz de modo inconsciente ou não, dependendo de cada caso. Mas o fato é que são, geralmente, indivíduos com fortes, firmes e tenazes qualidades morais e éticas, e que não toleram, de modo algum, elementos que não estão de acordo com seus rígidos padrões de conduta. Elas se importam com tudo e com todos, nada é pequeno ou grande demais a ponto de ser ignorado ou relevado, e todo esforço é válido na conquista das boas virtudes, da justiça e da retidão dos valores morais, éticos e espirituais. Cobram muito dos outros, mas cobram bem mais de si mesmas, e quando algo não está de acordo com seus objetivos e planos, ela sofre. E, neste mundo, quase nada sai conforme a vontade deste tipo de pessoa, então o sofrer, para elas, é constante.
Mas há outro caminho, e quem se conduz por ele recebe o nome de blasé.
Blasé é a pessoa que não se importa e nem se impressiona com nada. Ela é indiferente e insensível às coisas do mundo e das pessoas, como se tudo lhe fosse excessivamente familiar, e que por isto mesmo perdera toda e qualquer importância ou capacidade de impacto. Muitas vezes a conduta de um blasé é confundida com arrogância, como se este tipo de individuo fosse muito cheio de si, ou coberto por ares de pomba. Outras vezes parece-nos que ele é extremamente entediado e entediante. Assemelha-se, à nível emocional, aos mortos-vivos.
Então, ser blasé é não se importar, não ligar, não se surpreender, não se emocionar, não se envolver, e mesmo ser radicalmente indiferente e insensível, ao ponto de aparentar (ou ser) frio e esnobe diante das coisas do mundo e das pessoas.
Estes são os dois extremos que comumente surgem como possibilidades de um proceder perante a vida, a qual está intimamente ligada às pessoas que nos cercam, e ao mundo em que vivemos. E é interessante como estes estremos estão muito presentes nas várias pessoas do mundo, notem elas isto ou não.
A vida é, naturalmente e normalmente, cheia de dilemas e escolhas difíceis. Dependendo da pessoa, de sua natureza íntima, de suas crenças e convicções, algumas escolhas são mais fáceis do que outras, e as vezes sequer há escolha. É como uma pessoa que, sendo comprometida com outro, se vê diante da possibilidade de num momento de delírio e paixão com um terceiro alguém, e então se pergunta: ser ou não ser infiel? Este caso ilustra uma parte dos dilemas e escolhas, mas há outros, bem diferentes, e no entanto, igualmente relevantes, dependendo da pessoa que tem que "escolher".
Difícil é encontrar alguém que seja capaz de sofrer com a escolha. Geralmente sofre-se com as consequências e repercussões das escolhas que já foram feitas. A coisa mais fácil deste mundo é encontrar alguém que já tenha se arrependido de algo. É mais complicado encontrar alguém que não tenha se arrependido. E não estou falando de discursos verborrágicos, que só se tornam reais da boca pra fora. Estou falando das mais sinceras e verdadeiras impressões pessoais. E por menor que seja, arrependimento é arrependimento.
Os que sofrem da "síndrome do messias" estão sempre arrependido de algo, mesmo que este algo seja uma das suas muitas tentativas de fazer o certo. Do outro lado, o blasé nunca está arrependido de nada: ele não se importa, não é mesmo? Não há arrependimentos à blasés... E não há serenidade nos "messias", pois estes estão em constante conflito, e o único retorno certo, para eles, é o martírio auto-aplicado.
Que fazer, então? Se importar, ou não se importar?
"Ser ou não ser, eis a questão"!
Talvez a melhor resposta para este enigma esteja em um tipo de pensamento que surge, há milênios, no extremo Oriente: "o Caminho do Meio".
"O Caminho do Meio" é um termo muito comum, e eventualmente aplicado aos ensinamentos budistas. Significa, entre muitas coisas, não se deixar conduzir por extremos. A vida de Siddhartha Gautama é muito bonita simbólica, e sem conhecê-la, não se conhece o budismo, e muito menos o significado desta expressão magnífica que é "o Caminho do Meio".
Na primeira fase da vida deste que é considerado o nosso primeiro grande "Iluminado", Siddhartha Gautama era um príncipe indiano nascido sob uma professia. Tal professia dizia que ele seria "O Senhor do Mundo". Mas tal expressão tinha dois significados: ou ele seria "Senhor", enquanto regente e dominador, ou seria "senhor" enquanto um mendigo errante. Para evitar a segunda possibilidade, e concretizar a primeira, seu pai o rodeou com toda sorte de belezas, encantos e prazeres. Ele tinha tudo, sempre do melhor. E desconhecia as desgraças do mundo. Acidentalmente, em sua juventude, ele conheceu de uma única vez, a Miséria, a Velhice, a Doença, a Morte e a Loucura. Ele se surpreendeu muito com esta "descoberta", e dela não se esqueceu, e tal incômodo cresceu em seu interior, e tornou-se um descontentamento. E, então, inicia-se a segunda fase de sua vida, que é a busca pela "Verdade".
A segunda fase da vida de Gautama é um contraponto à opulência em que ele havia vivido até então. Buscando a Sublime Verdade do Mundo, ele tornou-se um asceta, o que significava não só entregar-se à meditação e à práticas de exercícios e/ou estudos sagrados, mas também - e principalmente - à privar-se de praticamente tudo relacionado à vida mundana. As práticas ascetas eram uma espécie de flagelo voluntário, só que bem pior do que se pode imaginar. Frequentemente entregues à inanição, passavam semanas, e as vezes meses, sem mover um único músculo, paralisados numa posição sagrada, meditando. E Gautama quase chegou à morte, pois havia levado à sério, e ao extremo, tais práticas.
Gautama tornou-se um "Iluminado" quando percebeu que os dois extremos de sua vida - a opulência "mundana" e o auto-martírio "sagrado" - eram enganosos, e que não trariam, por si mesmos, nenhuma satisfação plena, verdadeira e duradoura. Percebeu que o Imponderável da Vida vinha sobre todos, ricos ou pobres, belos ou feios, nobres ou plebeus, fortes ou fracos, sagrados ou mundanos, santos ou profanos... Ele percebeu que todos, sem qualquer exceção, estavam sujeitos aos mesmos inevitáveis males. E que não seria em qualquer extremo que as pessoas escapariam destes males. Assim ele nascia "O Caminho do Meio".
De fato, se aplicarmos isto aos dias de hoje, compreendemos facilmente que Viver Bem é como andar sobre a corda-bamba. E esta corda atravessa um profundo abismo. Não podemos pender demais para um lado, pois cairíamos. E nem para o outro, pois cairíamos do mesmo jeito. Viver Bem exige equilíbrio, e este equilibrar-se é estar exatamente no meio.
E o que é o equilíbrio da vida? Certamente, em primeiro plano, é fugir dos extremos. Nem buscar ser um "messias", e nem ser um "blasé". Nem é se importar demasiadamente com tudo, tampouco ser indiferente á tudo. É fazer o que puder ser feito, e bem feito. Nem mais, nem menos. À isto é necessário reconhecer e aceitar que existem limites diversos, e que se alguns podem (ou devem) ser superados, outros já não são.
Lembro-e, novamente, da citação que fiz em outra postagem:
"Senhor dá-me serenidade para aceitar tudo aquilo que não pode ou não deve ser mudado. Dá-me força para mudar tudo o que pode e deve ser mudado. Mas, acima de tudo, dá-me sabedoria para distinguir uma coisa da outra."
Da escolha que eu tinha, aprendi que algumas pessoas podem e devem ser salvas. Outras até podem, mas não querem, e não aceitam, e toda ajuda torna-se um desperdício. Há ainda as que não podem, não querem e não aceitam qualquer salvação, e a estas só restam as lástimas. Reconhecendo isto e sabendo diferenciar um de outro, Viver Bem torna-se possível. Haverá, é claro, situações extremas, e é nelas e delas que nascem os verdadeiros mártires. Mas raramente surgem estas situações, e elas só são significativas e válidas diante de grandes causas e eventos. Não se prestam ao cotidiano ou à coisas menores. Então, o que puder ser feito, que seja feito. Se não puder, peça aos céus paciência e serenidade, e entregue nas mãos de Deus.
E se um dia você encontrar alguém que queira se jogar do precipício, faça sua parte, avisando dos perigos, das consequências e das repercussões, e apontando alternativas às coisas que à levam a tão desesperada medida. Mas se ainda assim, ela quiser se atirar, o melhor é não ir junto...
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