sexta-feira, 30 de julho de 2010

INFORMAÇÕES & ORGANIZAÇÕES

Saudações a todos.

Estou retomando a normalidade de minhas atividades, e isto requer uma demanda de tempo e, principalmente, de organização.

Assim sendo, estou dividindo minhas atividades, ordenando-as para que nenhuma delas fique entregue à própria sorte, até mesmo porque eu também sinto a necessidade de falar de outras coisas, outros temas, com outras formas de falar.

Reativei meu antigo Blog, o SAPIENS CORDIS - "Sabedoria do Coração", e à ele estou destinando as mensagens que foram como as postadas aqui até o presente momento. Deixarei o FIO DA KATANA para assuntos mais diversos e menos - se é que posso dizer - profundos...

Há ainda outros blogs que darei atenção. Um deles é o DIÁRIO DE PIT-BULL, onde estarei narrando o cotidiano e as inúmeras travessuras de minhas crianças, e as reflexões que surdem do convivo com elas. Outro, ainda, é o complexo de blogs da SONARQ, o qual anda muito abandonado, e merece maior dedicação. Estarei cuidando dele também.

Então, caros leitores, estarei organizando meus dias do seguinte modo:

SEGUNDAS e QUINTAS-FEIRA, serão os dias de postagens no SAPIENS CORDIS
TERÇAS e SEXTAS-FEIRAS, serão os dias de postagens n'O FIO DA KATANA
QUARTAS-FEIRAS e SÁBADO, serão dias de postagens em um dos blogs da SONARQ
DOMINGOS serão dias de postagens randômicas, e eu jogarei 1D6 (um dado de seis lados) para saber em qual blog estarei postando.
COTIDIANAMENTE estarei efetuando postagens no DIÁRIO DE PIT-BULL.

Espero contar com a visita de todos.

Cordialmente,

Henrique "Mestre-Hentai" Júnior

terça-feira, 27 de julho de 2010

A vida numa panela

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Certos dias da semana parecem possuir "alma" própria. O Domingo é um deles. Para mim, o que torna o domingo um dia especial, ao ponto de ter sua "alma", são as memórias à ele vinculadas. A mais deliciosa, literalmente falando, é a que tenho do domingo como uma reunião de amigos e, atrevo-me a dizer, de familiares.



Vejo-me constantemente, nestas recordações, sentado junto à uma pequena mesa circular, no centro de uma cozinha bem organizada e aconchegante. À frente do fogão, um senhor aparentemente frágil, mas que desmente tal aspecto com seu gênio forte, caráter ilibado, temperamento audaz, impetuoso jeito de ser e  munido com seu eterno bom humor, prepara um Arroz de Carreteiro. Enquanto faz sua mágica, sua voz grave e sonora fala-me sobre coisas como cultura, tradição, espiritualidade, família, amigos, vida, viver, dignidade, integridade, hombridade, lealdade, amizade, esperança... E os assuntos se sucedem e se misturam com tal harmonia, que parecem ser sempre a mesma conversa, ainda dentro do mesmo tema.

As risadas são constantes, mesmo em assuntos sérios e doloridos. E as mais belas e valiosas lições de vida são compartilhadas com humor e -  por que não? - certo deboche: ri-se da seriedade demasiada que se dá as coisas, e ri-se de si mesmo diante das próprias tolices, loucuras, vacilos e erros. É quando aprender torna-se fácil e divertido. E é quando se compreende que viver é mais do que o que se faz, e menos do que se imagina dever fazer, e que é sempre possível recomeçar, mesmo nas mais difíceis situações.

Este senhor, diante do fogão, me chama com frequência para aprender o segredo de seu "secretíssimo" toque gastronômico.

"Veja, meu caro Hentai. É preciso que esteja assim... Tem que estar deste modo... É assim que a gente faz lá em... Veja a cor... Veja o brilho... Sinta o cheiro...", ele diz. "Eu nem preciso provar: só de ver, e sentir, sei o que falta, e sei quando está bom". "Medida é coisa de gente fraca: eu vou é no olhômetro"! E eu me divirto com seu jeito de ser, e com sua didática extravagante e original.



Nos domingos de minha memória, quando estou como convidado deste nobre anfitrião, a mesa é servida por todos, e as honras são dadas à Senhora da Casa, sua esposa, fiel companheira, testemunha e motivação de sua trajetória. Antes, durante e depois das refeições de domingo, vejo os dois brincarem, e trocarem carinhos e afagos. Há todo um teatro, e eu vejo a cumplicidade que une os dois, principalmente nela, que participa das brincadeiras mesmo sem estar nem aí pra elas. Há, sim, os desentendimentos, mas mesmo estes parecem ter, como as demais coisas deles dois, a particularidade de suas cores, e uma aura de peculiaridade, somada à imponente impressão de que no universo deles, na intimidade do lar deles, eles se entendem em um nível que só é compreensível plenamente pelos dois, e somente pelos dois.

Rodeados por um magnífico jardim, tratado com esmero e dedicação, e entre brindes e gracejos, vou aprendendo o jeito correto de portar-me à mesa, e de ser civilizado durante a refeição. E a cada um destes domingos, torno-me melhor, mais culto, mais espiritualizado, e mais refinado. Expando o significado de "companheirismo" e de "fraternidade". E vejo, nas rugas e no manquejar dos dois, tudo do que desejo ter, para mim, quando eu mesmo tiver visto tantas primaveras quanto eles.

 Ainda em meio ao exuberante jardim, e sempre que possível, o chimarrão entra na roda. De mão em mão, ele torna-se o exemplo materializado da tradição de um povo, e dos costumes que superam os limites do tempo e do espaço. Tudo tem um gosto meio ritualístico: há o jeito certo de preparar, há o jeito certo de servir, há o jeito certo de tomar, há o jeito certo de pegar, abastecer de água, e servir ao próximo. E qual é o jeito certo? O jeito da TRADIÇÃO.



Enquanto o chimarrão passa de mão em mão, histórias de um tempo distante, mas vívido, ecoa pelo jardim carregados pela voz de tenor. Histórias de uma família, contada às gerações sem jamais se perder, ganha vida na imaginação da seleta plateia que a ouve atentamente. E é quando percebo: somos, também, parte desta família.

E isto me honra. Nada poderia ser mais enobrecedor.

No final do dia, nós nos despedimos. Mas há sempre a promessa do "no próximo domingo". E por mais que demorem, estes domingos chegam. As vezes só os dois nos recebem. As vezes a família toda se reúne. Duas ou três gerações se encontram, mas a impressão é que mesmo os mais distantes antepassados estão lá, em espírito, apreciando e participando da reunião, e assim como eu e tantos outros, se riem das histórias e dos causos contados nas rodas de chimarrão.



"Tchau, Mocho!", saudação ao guardião espiritual da casa, é a penúltima coisa que digo ao sair pelos portões daquele lar-fortaleza. A ultima é sempre "até mais, Professor". E esta ultima palavra sai de minha boca carregada de importância, nobreza e admiração. E é observando a figura dele que eu me sinto honrado com a profissão que escolhi para mim. Com um aperto de mãos, viro-me para ir embora, e já com a intenção de voltar mais uma vez. Sempre mais uma vez. Sempre.

Ao chegar em casa, geralmente alguns quilos mais pesado, e muitos anos mais sábio e vivido, relembro a beleza de tais momentos, tão apreciáveis, e  alimento-me deles, e com eles me entrego ao sono. E nos dias que se seguem eu continuo a viver os "outros dias da semana", com a cotidiana luta e labuta. E quando chega o domingo, mesmo não estando lá, inicio o ritual todo novamente:

"Bom dia, Mocho! Bom dia Professor! Bom dia Dona Rosa!"

Nestes domingos, quando não estou lá, faço-me presente em espírito, e torno meu próprio lar, na medida do possível, a cópia daquele ambiente venerável. E se vou preparar o arroz, lembro-me das histórias, e da voz reverberante a dizer: "vem ver Hentai, como é que fica. É assim que tem que ficar! Tá vendo?".

Nestes dias de domingo a vida se torna uma celebração, e para mim, Viver Bem passa a ter um referencial, e saber viver torna-se tão simples quanto saber cozinhar. É essencial ter sensibilidade, pois é preciso "extrair o que há de melhor em cada ingrediente". É necessário ser atencioso, para "utilizar estes ingredientes na hora certa, e do jeito certo". É preciso ser bem humorado, bem articulado, bem ativo e criativo, para que o antes e o depois também façam parte da refeição.

Hoje, quando eu olho para uma panela de arroz, eu penso na vida. E digo a mim mesmo, com um sorriso cândido nos lábios:

"É... A vida cabe numa panela de arroz".

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domingo, 25 de julho de 2010

Entre o 8 e 80

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As vezes é necessário parar e pensar na própria vida, ações, reações, crenças e convicções. É necessário avaliar nosso relacionamento com o mundo e com as pessoas, e nosso próprio proceder e condução entre as coisas que nos rodeiam. As vezes fazemos isto voluntariamente. Outras vezes é a vida quem nos empurra para este processo, gostemos disto ou não.

Recentemente eu estive diante de uma escolha peculiar. Uma escolha que, invariavelmente, mudaria minha vida por completo. E embora parecesse ser uma escolha simples, ela traria grandes consequências, implicações e responsabilidades. E estas me acompanhariam costantemente.



A escolha era a seguinte:
>>> Devo permanecer com esta minha "síndrome de messias", ou devo abraçar o modo blasé de viver?

Em curtas palavras, eu estava me propondo o "ou oito ou o oitenta".

Quando nos encontramos numa situação que nos desagrada por completo, e que nos traga sofrimento e angustia, tendemos à ir de encontro ao seu oposto. Mas a vida não se move entre as extremidades, e não há sabedoria no extremismo, ou em colocar-se em situações extremas. Neste caso em especial, o da natureza de tal escolha, tudo é ainda mais complexo e delicado.

A "síndrome do messias" é um fenômeno de ordem comportamental e/ou psicológica, geralmente com fortes raízes em mentalidades e motivações religiosas, e que ocorre quando alguém tenta, sacrificando-se de todas as formas possíveis, imagináveis e inimagináveis inclusive, salvar o mundo e as pessoa s (quer elas queiram ou não). Tal objetivo desconhece limites, e alimenta-se da expressa e eminente necessidade de ajudar ao próximo e/ou combater os vícios que consegue observar, não importando as consequências e os custos de seus atos e escolhas à si mesmo.



É um caminho difícil e sofrido. Geralmente que se lança a ele o faz de modo inconsciente ou não, dependendo de cada caso. Mas o fato é que são, geralmente, indivíduos com fortes, firmes e tenazes qualidades morais e éticas, e que não toleram, de modo algum, elementos que não estão de acordo com seus rígidos padrões de conduta. Elas se importam com tudo e com todos, nada é pequeno ou grande demais a ponto de ser ignorado ou relevado, e todo esforço é válido na conquista das boas virtudes, da justiça e da retidão dos valores morais, éticos e espirituais. Cobram muito dos outros, mas cobram bem mais de si mesmas, e quando algo não está de acordo com seus objetivos e planos, ela sofre. E, neste mundo, quase nada sai conforme a vontade deste tipo de pessoa, então o sofrer, para elas, é constante.

Mas há outro caminho, e quem se conduz por ele recebe o nome de blasé.

Blasé é a pessoa que não se importa e nem se impressiona com nada. Ela é indiferente e insensível às coisas do mundo e das pessoas, como se tudo lhe fosse excessivamente familiar, e que por isto mesmo perdera toda e qualquer importância ou capacidade de impacto. Muitas vezes a conduta de um blasé é confundida com arrogância, como se este tipo de individuo fosse muito cheio de si, ou coberto por ares de pomba. Outras vezes parece-nos que ele é extremamente entediado e entediante. Assemelha-se, à nível emocional, aos mortos-vivos.



Então, ser blasé é não se importar, não ligar, não se surpreender, não se emocionar, não se envolver, e mesmo ser radicalmente indiferente e insensível, ao ponto de aparentar (ou ser) frio e esnobe diante das coisas do mundo e das pessoas.

Estes são os dois extremos que comumente surgem como possibilidades de um proceder perante a vida, a qual está intimamente ligada às pessoas que nos cercam, e ao mundo em que vivemos. E é interessante como estes estremos estão muito presentes nas várias pessoas do mundo, notem elas isto ou não.

A vida é, naturalmente e normalmente, cheia de dilemas e escolhas difíceis. Dependendo da pessoa, de sua natureza íntima, de suas crenças e convicções, algumas escolhas são mais fáceis do que outras, e as vezes sequer há escolha. É como uma pessoa que, sendo comprometida com outro, se vê diante da possibilidade de num momento de delírio e paixão com um terceiro alguém, e então se pergunta: ser ou não ser infiel? Este caso ilustra uma parte dos dilemas e escolhas, mas há outros, bem diferentes, e no entanto, igualmente relevantes, dependendo da pessoa que tem que "escolher".

Difícil é encontrar alguém que seja capaz de sofrer com a escolha. Geralmente sofre-se com as consequências e repercussões das escolhas que já foram feitas. A coisa mais fácil deste mundo é encontrar alguém que já tenha se arrependido de algo. É mais complicado encontrar alguém que não tenha se arrependido. E não estou falando de discursos verborrágicos, que só se tornam reais da boca pra fora. Estou falando das mais sinceras e verdadeiras impressões pessoais. E por menor que seja, arrependimento é arrependimento.



Os que sofrem da "síndrome do messias" estão sempre arrependido de algo, mesmo que este algo seja uma das suas muitas tentativas de fazer o certo. Do outro lado, o blasé nunca está arrependido de nada: ele não se importa, não é mesmo? Não há arrependimentos à blasés... E não há serenidade nos "messias", pois estes estão em constante conflito, e o único retorno certo, para eles, é o martírio auto-aplicado.

Que fazer, então? Se importar, ou não se importar?

"Ser ou não ser, eis a questão"!

Talvez a melhor resposta para este enigma esteja em um tipo de pensamento que surge, há milênios, no extremo Oriente: "o Caminho do Meio".

"O Caminho do Meio" é um termo muito comum, e eventualmente aplicado aos ensinamentos budistas. Significa, entre muitas coisas, não se deixar conduzir por extremos. A vida de Siddhartha Gautama é muito bonita simbólica, e sem conhecê-la, não se conhece o budismo, e muito menos o significado desta expressão magnífica que é "o Caminho do Meio".

Na primeira fase da vida deste que é considerado o nosso primeiro grande "Iluminado", Siddhartha Gautama era um príncipe indiano nascido sob uma professia. Tal professia dizia que ele seria "O Senhor do Mundo". Mas tal expressão tinha dois significados: ou ele seria "Senhor", enquanto regente e dominador, ou seria "senhor" enquanto um mendigo errante. Para evitar a segunda possibilidade, e concretizar a primeira, seu pai o rodeou com toda sorte de belezas, encantos e prazeres. Ele tinha tudo, sempre do melhor. E desconhecia as desgraças do mundo. Acidentalmente, em sua juventude, ele conheceu de uma única vez, a Miséria, a Velhice, a Doença, a Morte e a Loucura. Ele se surpreendeu muito com esta "descoberta", e dela não se esqueceu, e tal incômodo cresceu em seu interior, e tornou-se um descontentamento. E, então, inicia-se a segunda fase de sua vida, que é a busca pela "Verdade".

A segunda fase da vida de Gautama é um contraponto à opulência em que ele havia vivido até então. Buscando a Sublime Verdade do Mundo, ele tornou-se um asceta, o que significava não só entregar-se à meditação e à práticas de exercícios e/ou estudos sagrados, mas também - e principalmente - à privar-se de praticamente tudo relacionado à vida mundana. As práticas ascetas eram uma espécie de flagelo voluntário, só que bem pior do que se pode imaginar. Frequentemente entregues à inanição, passavam semanas, e as vezes meses, sem mover um único músculo, paralisados numa posição sagrada, meditando. E Gautama quase chegou à morte, pois havia levado à sério, e ao extremo, tais práticas.



Gautama tornou-se um "Iluminado" quando percebeu que os dois extremos de sua vida - a opulência "mundana" e o auto-martírio "sagrado" - eram enganosos, e que não trariam, por si mesmos, nenhuma satisfação plena, verdadeira e duradoura. Percebeu que o Imponderável da Vida vinha sobre todos, ricos ou pobres, belos ou feios, nobres ou plebeus, fortes ou fracos, sagrados ou mundanos, santos ou profanos... Ele percebeu que todos, sem qualquer exceção, estavam sujeitos aos mesmos inevitáveis males. E que não seria em qualquer extremo que as pessoas escapariam destes males. Assim ele nascia "O Caminho do Meio".

De fato, se aplicarmos isto aos dias de hoje, compreendemos facilmente que Viver Bem é como andar sobre a corda-bamba. E esta corda atravessa um profundo abismo. Não podemos pender demais para um lado, pois cairíamos. E nem para o outro, pois cairíamos do mesmo jeito. Viver Bem exige equilíbrio, e este equilibrar-se é estar exatamente no meio.



E o que é o equilíbrio da vida? Certamente, em primeiro plano, é fugir dos extremos. Nem buscar ser um "messias", e nem ser um "blasé". Nem é se importar demasiadamente com tudo, tampouco ser indiferente á tudo. É fazer o que puder ser feito, e bem feito. Nem mais, nem menos.  À isto é necessário reconhecer e  aceitar que existem limites diversos, e que se alguns podem (ou devem) ser superados, outros já não são.

Lembro-e, novamente, da citação que fiz em outra postagem:
"Senhor dá-me serenidade para aceitar tudo aquilo que não pode ou não deve ser mudado. Dá-me força para mudar tudo o que pode e deve ser mudado. Mas, acima de tudo, dá-me sabedoria para distinguir uma coisa da outra."

Da escolha que eu tinha, aprendi que algumas pessoas podem e devem ser salvas. Outras até podem, mas não querem, e não aceitam, e toda ajuda torna-se um desperdício. Há ainda as que não podem, não querem e não aceitam qualquer salvação, e a estas só restam as lástimas. Reconhecendo isto e sabendo diferenciar um de outro, Viver Bem torna-se possível. Haverá, é claro, situações extremas, e é nelas e delas que nascem os verdadeiros mártires. Mas raramente surgem estas situações, e elas só são significativas e válidas diante de grandes causas e eventos. Não se prestam ao cotidiano ou à coisas menores. Então, o que puder ser feito, que seja feito. Se não puder,  peça  aos céus paciência e serenidade, e entregue nas mãos de Deus.

E se um dia você encontrar alguém que queira se jogar do precipício, faça sua parte, avisando dos perigos, das consequências e das repercussões, e apontando alternativas às coisas que à levam a tão desesperada medida. Mas se ainda assim, ela quiser se atirar, o melhor é não ir junto...

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sábado, 24 de julho de 2010

100% de nosso tempo

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Ninguém está conosco 100% de nosso tempo do nosso lado!

Talvez, dentre todos os seres da criação, dentre todas as formas de vida que pululam nosso planeta, o ser humano seja a mais solitária de todas. E, por incrível que possa parecer, o ser humano também é a mais paradoxal das criaturas: pois no mesmo instante em que é um ser consciente, pensante, imaginativo e planejador, ele também é profundidade ignorante de sua própria solidão.



De fato, é preciso entender o que é solidão, e o que é ser solitário.

Existem pessoas que, quando vistas, dão logo a notória e nítida impressão que nos faz disparar: "beltrano é uma pessoa solitária". Reconhecemos os sintomas da coisa, muito embora alguns encontrem dificuldades para expressar e explicar suas percepções, e como perceberam tais coisas. Conhecemos, muitas das vezes, o quadro geral, mas não sabemos esmiuçar e nem dissecar anatomicamente a tal da solidão.

Sabe-se que a solidão nunca é exatamente igual entre duas - ou mais - pessoas. É assim pois não existem pessoas que sejam iguais. Podem haver parecidas, externa e internamente, e sempre segundo diferentes aspectos mais observáveis que os demais. Mas o universo interior é bem mais insondável. Somos, em nossa intimidade, em função do trato social, como Icebergs: o que está evidente é apenas a menor parte do que somos, e o restante - algo em torno de 90%, digamos - encontra-se submerso, oculto pelas águas marítimas.



Ser solitário pode ser descrito de várias formas, mas somente um solitário pode descrever, com maior justiça e precisão, o que é solidão. Ser solitário é desejar estar sozinho, quando acompanhado, e desejar estar acompanhado, quando sozinho. É sentir-se isolado do mundo, ao mesmo tempo que deseja, profundamente, fazer contato com ele. É sentir-se não pertencente ao lugar onde está, e incompatível com tudo e com todos. É sentir-se discrepante em relação ao mundo que o rodeia, e incompleto em relação ao mundo de sua intimidade. A solidão, portanto, é uma eterna vontade de saciar algo, por vezes indescritível, e que não se encontra, por completo, em ninguém, e em lugar nenhum. É querer estar "completo" sem conseguir se completar, e nem saber como, quando ou onde completar-se.

Mas o que diferencia um "solitário" das demais pessoas são tão somente duas características básicas: em primeiro lugar, a intensidade de tais sensações, que são sempre maiores, mais profundas, mais presentes e mais pronunciadas; e em segundo lugar, a própria consciência de que algo falta em sua vida, embora nem sempre seja possível dizer o quer exatamente o que está faltando.



No fim das contas, quando nos lançamos à uma sincera e introspectiva avaliação, percebemos que somos todos solitários. O que pode variar é o grau da solidão, já que ela sempre será diferente conforme diferente são as pessoas.

Ninguém nasce em nosso lugar, por nós. E ninguém dará, em nosso lugar e por nós, o nosso ultimo suspiro. Quando vamos nos nutrir, o alimento deve entrar por nossa boca, e é ao nosso paladar que ele irá impressionar. Não pode ser de outro jeito. E quando nossa garganta está seca, não há quem beba por nós, e que possa nos saciar a vontade de beber. É pela nossa garganta que tal líquido tem que descer, e pela de ninguém mais. E quando vemos o mundo, ninguém mais tem acesso ao que nossos olhos estão vendo, ou o que nossa mente está pensando sincronicamente. Podemos até dizer o que estamos pensando, e até descrever o que estamos vendo, mas jamais será tão completo, e nem tão sincrético, quanto o que estamos vivenciando em nossa intimidade no exato momento em que este vivenciar está ocorrendo.



Quanto à isto, é interessante notar que mesmo quando falamos, conversando normalmente, haverá sempre a eterna diferença de tempo: ao tempo em que pensamos algo soma-se o tempo que usamos para expressar tal pensamento. E do mesmo modo, ao tempo que uma pessoa leva para nos ouvir soma-se o tempo que ela tem para absorver o que foi ouvido. Então, mesmo que haja entendimento entre aqueles que estão dialogando, este entendimento é atrasado, demorado, e por isto mesmo, diferente. Estamos, em relação ao que nos cerca, sempre com frações de tempo de diferença. É como agora: eu penso, depois escrevo, então você lerá, para só então entender. E entre nós haverá uma distancia temporal incomensurável. Eu sou, para você, como uma estrela: a luz que chega aos seus olhos partiu de mim há eras. O que você registra é algo como uma fotografia, um momento congelado no tempo. Eu continuo a evoluir, à medida em que o tempo passa, mas o que notam de mim - e de você - é apenas algo do passado, que já não é como é agora, no presente (que constantemente se torna passado). Até mesmo o que notamos de nós mesmos é passado. Estamos eternamente presos ao passado. Eternamente...

Além disto, há também a relação indissociável entre intimidade e solidão. Talvez seja, a intimidade, algo sinônimo e complementar à solidão. Não há intimidade sem solidão, e não há solidão sem intimidade. Toda solidão é intima. Toda intimidade é solitária. São as duas faces de uma mesma moeda. Uma moeda presa ás mãos do tempo.



Creio que seja isto, afinal, o que nos confere a humanidade: a vulnerabilidade ao tempo, à intimidade e à solidão. Desejamos a todo momento, ardorosa e intensamente, mesmo que inconscientemente, compartilhar nosso universo íntimo com os outros. E desejamos, do mesmo modo, entrar na intimidade alheia. Quanto maior for esta permuta, maior é o grau de "satisfação", mesmo que esta seja ilusória.

Creio que o segredo para se viver bem seja compreender esta singela e sutil verdade: somos solitários pois somos incapazes de compartilhar (e congregar), de modo completo e profundo, e em tempo real, a nossa intimidade com os outros. Somos nosso próprio universo, com as mesmas quantidades de mistérios e enigmas, com a mesma quantidades de belezas e encantos, com a mesma proporção de desconhecimento e de entendimento.

Dentre todos os animais, somos os mais infelizes. Os demais, que não possuem imaginação, criatividade, planejamento e consciência - como a nossa -, jamais irão sentir, como nós, tão ardente, profundo e intenso desejo de se completar em outro, ou em outros.



Depois de nós mesmos, somente a nossa própria sombra permanece mais tempo conosco. E ainda assim ela se vai, quando as luzes se apagam.

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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Uma "Xícara de Chá"

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"Você precisa tomar uma Xícara de Chá"!

A primeira vez que tomei conhecimento desta inusitada orientação foi através de uma leitura. Tratava-se de um livro Zen. Um dos poucos que conseguem, com algum sucesso, trabalhar algo de tão complexo conceito e tão vaga definição. Mas eu, que tenho por objetivo de vida compreender todas estas do complexo corpo/mente/espírito, consegui um meio de entender o Zen. Entendê-lo é fácil, explicá-lo continua sendo muito complicado. Pelo menos sem auxílio e o uso de outros recursos de similar natureza e origem.

O Zen é para o Japão o que a Malandragem é para o Brasil. Simples assim.

Há outros paralelos ligados à estes dois conceitos:  o bushi está para o capoeirista. O kabuki está para o samba. O sushi está para a feijoada. E assim vai...

Mas há na cultura nipônica algo de singular, e que não encontra similares em nossa cultura carnavalesca: o ato de cultivar a própria grandeza espiritual, e de cultuar as virtudes que fazem o espírito se engrandecer. E é dentro desta prática que floresce a corrente bushido-zen-hanami-chanoyu-bonsai.



Bushido, ou Bushi-Do, é o "Caminho do Guerreiro". "Bushi" é guerreiro, enquanto que "Do" é caminho. Sendo uma particularidade do Japão Feudal, samurai era um bushi que servia à um daimyo, que é equivalente à um Senhor Feudal, enquanto que um ronin era um bushi que não servia à daimyo algum. Miyamoto Musashi foi considerado o maior samurai de todos os tempos, e durante muitos anos ele foi um ronin.

Bushis como Miyamoto Musashi se destacavam, não só pela perícia marcial, mas também - e principalmente - pela sua grandeza interior. Segundo as palavras dos grandes mestres, um verdadeiro bushi é aquele que disciplina seu corpo, sua mente e seu espírito, elevando-os ao extremo, em busca da perfeição que se assinala até mesmo nos menores gestos e nos mais ínfimos detalhes. Como bem observamos na biografia dos grandes samurais, o "caminho do guerreiro" era um caminho de dedicação absoluta à esgrima e extrema disciplina mental, ambos totalmente focados na busca da perfeição, a qual manifestava seus resultados em todos os detalhes da vida do praticante.

Mas entender um bushi, imaginando que eles só sabiam guerrear e matar (ou se matar) é uma leviandade e um erro grotesco e vulgar. Os grandes bushis eram homens extremamente espiritualizados, e não há registro de um destes que não tenha sido uma pessoa que exalasse suavidade e que não fosse virtuosa. A guerra - incluindo o matar e o morrer - eram costumes globais, e estavam em todos os cantos do mundo naquela época. Mas eles fizeram disto um modo de desenvolvimento espiritual.

Doutrinar o próprio espírito. Desenvolver as virtudes. Combatar os vícios. Asserenar a mente. Extirpar as paixões. Estar além do ter e do ser: transcender. Esta era a proposta. E, pela busca desta grandiosidade humana, eles desenvolveram várias belezas, e cada uma delas possui a essência desta busca pelo desenvolvimento que se conduz à auto-perfeição.



O bonsai, a "árvore em bandeija", que nada mais é do que uma árvore miniaturizada, tornou-se celebre depois da trilogia Karatê Kid. O honorável Sr. Kesuke Miyagi, um velho muito zen (conceitualmente falando), que era o mestre do jovem Daniel Larusso, tinha por símbolo uma pequena árvore que se contrapunha ao sol: o contorno assombreado de seu bonsai. O surgimento do bonsai coincide-se com o surgimento da mentalidade zen, que se origina na busca pela perfeição pessoa entre os guerreiros. O bonsai era como a exteriorização do universo interior: "doutrinar" uma árvore selvagem, de modo que ela se torne "civilizada", também um meio de alcançar o objetivo primal do bushido. Disciplinar a árvore era disciplinar à si mesmo.



O Hanami já foi bem considerado em postagens anteriores e recentes, mas ele consiste em apreciar, socialmente, a beleza das flores. Este "apreciar" não se resume em ficar olhando apenas, mas antes em realizar uma série de atividades que tenham por objetivo "adentrar" - simbólica, artística e/ou filosoficamente - o universo das flores enquanto elementos efêmeros que simbolizam, de algum modo, a própria vida, sua beleza e sua fragilidade.

A Caligrafia é também muito importante, e ela muito se confundia com a Esgrima. Para um verdadeiro bushi, não bastava apenas treinar o corpo e o espírito, mas a mente também. O refinamento da mente estava na erudição, na contemplação e na meditação. E o espírito de uma pessoa refinada manifesta-se também em uma escrita refinada. Dominar a "pena" era também dominar a "espada", e vice-versa.



Chanoyu, é a "Cerimônia do Chá", e nela se resumem todos os princípios que acima foram explanados. E é aqui voltamos ao princípio da postagem.

Não há dúvidas de que a cultura japonesa tenha sido fortemente influenciado pela cultura chinesa. A China está para o Japão como a Grécia estava para Roma. Simples assim. E foi na China que apareceu um monge chamado Bodhidharma, que tornou-se lendário entre os praticantes de artes marciais, entre os sacerdotes e entre os monges.



Bodhidharma foi considerado um homem santo e um homem iluminado. Atribuem a ele a criação do Zen e também de uma das mais famosas e respeitadas técnicas marciais chinesas: o Kung Fu Shaolin. Neste ínterim, o Zen era uma modalidade de desenvolvimento espiritual que perfeitamente se adequava às necessidades dos guerreiros, em especial os do Japão. O budismo, assim como o cristianismo, prega a não-violência, seja ela qual for, e a preservação da vida. Retirar a vida de outra criatura é, por diversas e justas razões, proibido. Mas para a casta guerreira, matar ou morrer em combate - seja pela guerra ou por duelo - era algo inevitável e mesmo necessário: a própria manutenção da estrutura social baseava-se nisto. Então surge o Zen, que atenta o homem para a brevidade das coisas, desperta-o para a sensibilidade espiritual, dá-lhe serenidade e delicadeza, confere-lhe virtudes e disciplina, e com isto dá fim aos conflitos e dilemas espirituais, e então os guerreiros podem matar e morrer tranquilamente.



Parece loucura? Talvez seja... E talvez seja tão louco à nós quanto nossas coisas são loucas à eles. Cultura é cultura, e para entender a cultura de um terceiro é necessário abrir mão da primícia de que nossa cultura é a melhor de todas. As diferenças existem, e é necessário encontrar beleza nelas, pois sempre há. Sempre. E um bom meio de se vencer as barreiras do egocentrismo e dos vícios, e encontrar um caminho para a elevação pessoal que nos possibilita ver a beleza que há no mundo e nas diferenças que caracterizam e definem todos nós, é a meditação.



Bodhidharma foi o mais elevado exemplo de meditação profunda. À sua pessoa atribuem não só a criação do Zen e do Kung Fu Shaolin, mas também do Chá. Não do habito de tomar chá, mas da erva do chá oriental propriamente dito. E esta lenda está ligada à necessidade de meditar. E é justamente isto a raiz do Zen: é necessário meditar muito, e muito profundamente sobre tudo, para que as ilusões se dissipem, e a verdadeira face das coisas se revele. E quando alguém quer lhe dizer que é necessário se entregar a este tipo de meditação, diz:

"Você precisa tomar uma Xícara de Chá"!
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quarta-feira, 21 de julho de 2010

Aprendendo a Viver

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O ser humano é uma criatura fantástica, mas possui um ponto fraco fatal: o tempo!

Podemos aprender muito sobre muito, e ainda assim, muitas vidas não seriam suficientes para que se aprendesse tudo o que é produto da existência humana, culturalmente ou academicamente falando. E de tudo o que existe, a vida é a maior das escolas, e o mais importante aprendizado. E dela, que deveríamos partir sabendo tudo, nada sabemos na maioria das vezes, pois quando começamos a aprender, já não temos mais tempo algum...



Seneca, senador romano cujos pensamentos muito me ajudou em momentos de dificuldade, foi autor de diversas cartas que, enviadas à um amigo,  nos mostra que mesmo no tempo antes do nosso tempo, ou seja, no tempo de nossos mais antigos antepassados, os mais angustiantes problemas pessoais e existenciais continuavam exatamente iguais aos de hoje. O ser humano não mudou, e seus problemas também não.

Ao longo de incontáveis gerações, as mais brilhantes mentes - e corações - de nosso povo ocupou-se em desvendar os segredos do Bom Viver. Que é necessário para se viver bem? Que é preciso para ser feliz? Que deve ser feito para que sejamos plenos? Estes e outros questionamentos foram pontos importantes nas mais severas e profundas reflexões filosóficas e religiosas. E entre a lógica e a fé, entre a ética e a moral, os resultados foram praticamente os mesmos, inclusive entre as mais diferentes e diversificadas culturas, ao longo do espaço e do tempo, nos quatro cantos do mundo, e nas mais diferentes eras humanas.



Até é possível sintetizar a sabedoria destes sábios em poucas palavras, mas elas são tão profundas, e tão densas, que são como enigmas: precisam ser desvendadas, pois na aparente simplicidade há todo um universo de entendimentos e implicações. E, de fato, existem muitas e muitas "sínteses", algumas até bem conhecidas. Uma delas, talvez a minha favorita, diz assim:

Senhor, dá-me serenidade para aceitar tudo aquilo que não pode ou não deve ser mudado. Dá-me força para mudar tudo o que pode e deve ser mudado. Mas, acima de tudo, dá-me sabedoria para distinguir uma coisa da outra.

Creio que a resultante destas três qualidades seja, numa única palavra, o Estoicismo.
Ser estoico é ser auto-suficiente e auto-satisfeito. É, em primeiro plano, bastar-se. Não significa que o estoico não necessite de nada ou de ninguém, tampouco significa que ele se dá por satisfeito com qualquer coisa, como um "barata morta". Ao contrário, ele pode sofrer como qualquer outro, e tem tantas necessidades quanto qualquer pessoa, mas a diferença está na qualidade e na intensidade de seu sofrer e de suas necessidades.



SABEDORIA: um estoico sabe que existem coisas que podem não podem e não devem ser mudadas, que existem coisas que podem, mas não devem ser mudadas, e que existem coisas que podem e devem ser mudadas. Ela as reconhece por suas diferenças, e à elas reage de diferentes modos, utilizando-se do que é necessário para cada uma.

SERENIDADE: não é possível mudar o sol de lugar. Muitos elementos da natureza são exemplos de coisas que não podem e não devem ser mudadas. Ninguém consegue mudar a natureza da vida, a qual culmina na morte. Não existem pessoas que vivam pela eternidade, e que sejam eternamente jovens: todos os humanos envelhecem e morrem. Alguém consegue imaginar o que aconteceria com nosso planeta se o sol, repentinamente, fosse tirado de seu lugar? Eu consigo, e sei que não seria nada legal para nós, que dependemos de sua luz, de seu calor, e de sua força gravitacional. Alguém consegue imaginar um planeta onde os seres não morrem e não envelhecem? Eu consigo, e me pergunto onde seria possível viver com alguma dignidade quando não houvesse espaço e alimento para suprir a necessidade de todos. Então, nestas coisas da natureza, há os traços da sabedoria de Deus, e o estoico as reconhece, e as aceita serenamente. Mas há, também, as coisas que podem mas não devem ser mudadas. Um exemplo destas é, por exemplo, a vegetação de nosso planeta. O ser humano até tem potencial para destruir todas as plantas da face da terra, mas isto representaria um perigo para si mesmo: sem plantas não há vida, simplesmente isto. Fazemos parte de um grande sistema, e dele somos dependentes como qualquer outro ser vivente. Então, diante das coisas que não podem e não devem ser mudadas, um estoico não se revolta, e as aceita serenamente também.

FORÇA: há as coisas que podem e devem ser mudadas. Destas pertencem, por exemplo, os vícios humanos. A gula, a inveja, a maledicência, a impaciência, a intolerância, o egoísmo, a ignorância, e assim vai... Todas estas más qualidades encontradas nos seres humanos podem e devem ser mudadas, tornadas em virtudes. Um estoico se esforça para evitar cair nas armadilhas destes vícios, e isto significa, muitas das vezes, se sujeitar dócil e voluntariamente à certas privações.

Disseram, os mais antigos e sábios representantes de nossa raça, que o Viver Bem não requer segredos. Requer tão somente paz de espírito (serenidade), força (de vontade) e sabedoria. Viver Bem necessita de obediência às leis da natureza e disciplina interior diante dos vícios. Viver Bem necessita de atenção aos eventos internos e externos, e reflexão para proceder da melhor forma possível, perante estes eventos.

Então, em curtas palavras, um estoico é aquele que não se revolta diante do Imponderável da Vida, mas que também não cede às más inclinações que constantemente lhe batem à porta. Se deseja algo, e se por algum motivo não pode tê-lo naquele momento, ele não o rouba, e nem se auto-destrói. Ele se esforça para conseguir, se lhe for possível conseguir, ou se conforma em não ter, se não lhe for possível ter. O estoico sabe que é um ser solitário, pois compreende que ninguém nasceu por ele, que ninguém pode viver sua vida, e que ninguém morrerá em seu lugar. Ser estoico é compreender que somente ele estará consigo em 100% de seu próprio tempo, mas que ainda assim ele é, com o mundo e com as pessoas, um grande simbionte. Isto é ser estoico, no fim das contas.


 
Mas ser estoico é apenas metade da coisa. Existem outras, é claro. Complementar à este comportamento sereno, forte e sábio, há outro, que se faz presente nos detalhes, e se anuncia mais fortemente nas relações que temos com nossos semelhantes. Há uma oração de que gosto muito, e que parece-me uma boa receita para esta segunda etapa do Viver Bem. É a Oração de São Francisco, e por incrível que pareça, eu sempre me lembro dela em forma de canção...

Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.
Onde houver Discórdia, que eu leve a União.
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando, que se recebe.
É perdoando, que se é perdoado e
é morrendo, que se vive para a vida eterna!
Amém

Viver Bem é, e sempre foi, o somatório de boas qualidades espirituais e comportamentais. É brilhar por dentro e por fora. É ser belo em seu interior, e consequentemente, ser belo em seu exterior também. Ser estoico, para as coisas da vida. Ser virtuoso na sociedade e nas relações sociais. Saber que na vida existem coisas bem mais valiosas que as posses, que as aparências são ilusórias, e que SER é bem mais importante do que TER.
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sexta-feira, 16 de julho de 2010

Sobre Príncipes e Flores

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- Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
- Um carneiro come tudo que encontra.
- Mesmo as flores que tenham espinho?
- Sim. Mesmo as que têm.
- Então. . . para que servem os espinhos?
Eu não sabia. Estava ocupadíssimo naquele instante, tentando desatarraxar do motor um parafuso muito apertado. Minha pane começava a parecer demasiado grave, e em breve já não teria água para beber. . .
- Para que servem os espinhos?
O principezinho jamais renunciava a uma pergunta, depois que a tivesse feito. Mas eu estava irritado com o parafuso e respondi qualquer coisa:
- Espinho não serve para nada. São pura maldade das flores.
- Oh!
Mas após um silêncio, ele me disse com uma espécie de rancor:
- Não acredito! As flores são fracas. Ingênuas. Defendem-se como podem. Elas se julgam terríveis com os seus espinhos ...
Não respondi. Naquele instante eu pensava: "Se esse parafuso ainda resiste, vou fazê-lo saltar a martelo". O principezinho perturbou-me de novo as reflexões:
- E tu pensas então que as flores ...
- Ora! Eu não penso nada. Eu respondi qualquer coisa. Eu só me ocupo com coisas sérias.

Ele olhou-me estupefato:
- Coisas sérias!
Via-me, martelo em punho, dedos sujos de graxa, curvado sobre um feio objeto.
- Tu falas como as pessoas grandes!
Senti um pouco de vergonha. Mas ele acrescentou, implacável:
- Tu confundes todas as coisas... Misturas tudo!
Estava realmente muito irritado. Sacudia ao vento cabelos de ouro:
- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão somas. E o dia todo repete como tu: "Eu sou um homem sério! Eu sou um homem sério!" e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem; é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!
O principezinho estava agora pálido de cólera.
- Há milhões e milhões de anos que as flores fabricam espinhos. Há milhões e milhões de anos que os carneiros as comem, apesar de tudo. E não será sério procurar compreender por que perdem tanto tempo fabricando espinhos inúteis? Não terá importância a guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo, que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode liquidar num só golpe, sem avaliar o que faz, - isto não tem importância?!
Corou um pouco, e continuou em seguida:
- Se alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões de estrelas, isso basta para que seja feliz quando a contempla. Ele pensa: "Minha flor está lá, nalgum lugar. . . " Mas se o carneiro come a flor, é para ele, bruscamente, como se todas as estrelas se apagassem! E isto não tem importância!
Não pôde dizer mais nada. Pôs-se bruscamente a soluçar. A noite caíra. Larguei as ferramentas. Ria-me do martelo, do parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela, num planeta, o meu, a Terra, um principezinho a consolar! Tomei-o nos braços. Embalei-o. E lhe dizia: "A flor que tu amas não está em perigo... Vou desenhar uma pequena mordaça para o carneiro... Uma armadura para a flor... Eu..." Eu não sabia o que dizer.
Sentia-me desajeitado. Não sabia como atingi-lo, onde encontrá-lo...
É tão misterioso, o país das lágrimas !
Trecho retirado do livro O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry.



Poucas coisas são tão salutares quanto o hábito da leitura. E, dentre todos os livros que já li - e reli -, nenhum me encantou mais, e me surpreendeu mais, do que "O Pequeno Príncipe". Para mim, esta é a obra máxima da literatura humana: simples e profunda, bonita e elegante, filosófica e espiritual. Ela é muitas outras coisas, mas acima e além de tudo, ela é romântica.

Para quem não o leu, e dele jamais ouviu falar, este livro confunde-se facilmente com uma obra infantil. Não deixa de ser, entretanto, algo tão profundamente simples e extraordinário não encontra limites, e pode ser lido e compreendido, de diversas maneiras distintas, tanto por crianças quanto adultos. Aliás, como o próprio autor diz, é preciso ser criança, mesmo que interiormente, para poder entender bem este livro.


Um príncipe, habitante de um pequeno planeta distante e isolado, chega à Terra. Em sua jornada ele conheceu várias pessoas, e com elas aprendeu algo, tanto sobre elas, quanto sobre si mesmo, e a própria vida. Mas sua jornada é, também, uma fuga: ele fugira de sua Rosa. O "Pequeno Príncipe" pode tratar-se de várias coisas, segundo quem o lê, e sua própria impressão espiritual no momento da leitura. Ele pode falar sobre a vida. Pode falar sobre a morte. Pode falar sobre pessoas. Pode falar sobre emoções. Pode falar sobre relacionamentos. E pode, inclusive e especialmente, falar sobre o Amor Ideal. Mas, hoje, gostaria de falar sobre o Efêmero também.

A todo momento, neste livro, os valores das coisas, e a prioridade das mesmas, é posto em questionamento. O que é sério? O que é trivial? O que é essencial? E o que é efêmero? Quais coisas realmente possuem importância?

Li, num artigo sobre ensinamentos budistas, que as pessoas, presas dentro de um paradoxo infindável, gastavam toda a sua saúde e juventude buscando riquezas, e então, quando velhas, gastavam toda a sua riqueza buscando saúde e juventude. Leio também, em muitos e muitos lugares, e a todo momento, "que só damos valor ao que temos depois que lhes perdemos". Já li depoimento de gente que dizia trocar toda a sua riqueza por mais um tempo com os filhos, com os pais, com o cônjuge, com os amigos, se lhe fosse possibilitada esta troca. Mas o dinheiro, que pode fazer muito, "não traz felicidade", e tampouco não traz ninguém de volta à vida.

Nos momentos especiais da vida humana, independente da cultura, ou do tempo, as flores sempre desempenharam um papel fundamental e importante. À quem amamos, damos flores. É um costume elegante dar flores às mulheres, quando a amamos, quando a admiramos, quando a homenageamos. Os casais trocam flores, e a primavera, estação das flores, também é a estação do amor e do romance. Mas as flores também estão presentes das despedidas e nas homenagens. Então, desde a promessa de vida, que é o princípio de amor entre duas pessoas, até o término da vida, que culmina no cortejo fúnebre, as flores estão conosco. E mesmo no além, lá estão, simbolizando a emoção dos que ficam.

Mas não se trata de flores propriamente ditas. Trata-se, antes, de um simbolismo romântico e filosófico. Sabiamente pensa aquele que entende, por "flores", tudo o que está na vanguarda das coisas espirituais, mas na retaguarda das coisas materiais.

As flores são efêmeras, disse o geógrafo ao Pequeno Príncipe. Somente as coisas duradouras possuem valor.

Cômica ou tragicamente, não sei dizer ao certo, lembro-me de um episódio em minha vida que corrobora esta afirmação. Li, num jornal religioso, uma lista  com as dez mais importantes coisas na vida de uma pessoa de Deus, segundo uma enquete feita anteriormente. O Amor estava em sétimo lugar. Primeiro vinha a casa, depois a profissão, depois o carro próprio, e assim por diante. E era um jornal religioso, vejam só.

Tudo retorna ao amor. Absurdo? Claro que não!

Trabalha bem quem ama o que faz. Relaciona-se bem quem ama quem lhe rodeia. Quem faz algo com amor, faz bem feito. O melhor tempero é o amor. Deus é amor...

Amor, amor, amor...

Certa vez, dentro de um drama pessoal, ouvi de minha mãe e amigos que "quando a necessidade bate à porta, o amor pula pela janela". Paradoxalmente, eram as mesmas pessoas que se convenciam de que "com amor tudo se vence".

Parece, então, que a condição básica e primordial, para o amor surgir e permanecer, no século XXI, é TER, e não SER. E, ainda assim, o que se observa hoje é contrario e antagônico à esta mentalidade. Quantas pessoas, bem sucedidas, não estão solteiras, ou sofrendo por relacionamentos falidos? Algo, então, está muito errado com nossas prioridades. As posses não suprem as necessidades e os anseios do Ser. E é aqui que as pessoas compreendem, verdadeiramente, a máxima que diz que "o dinheiro não traz felicidade".

Pensando nisto, lembro-me de ter lido algo a respeito de um experimento feito numa das grandes universidades dos Estados Unidos, realizado com filhotes de chimpanzés. Nele os cientistas constataram que os filhotes que eram privados dos carinhos maternos, mesmo que fossem bem nutridos, definhavam até se aproximarem perigosamente da morte. Isto só corrobora o que já sabiam os mais antigos e sábios de nossa raça: "Uma pessoa até pode viver - e viver bem, - sem dinheiro, sem luxo, sem conforto. Mas pessoa alguma consegue viver sem amor."

Quando penso nisto, me lembro da minha mãe, do meu pai, da minha família, dos meus amigos, das minhas namoradas... Lembro-me de quem me amou, e de quem amei. Lembro-me daqueles que amo, e com quem posso estar, e daqueles que amo, mas com quem não posso estar. E, diante de tudo isto, percebo: a Raposa estava certa. Creio, também, no que disse o Pequeno Príncipe ao piloto , quando lhe contou o segredo que aprendeu com a Raposa:



"Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos."
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quinta-feira, 15 de julho de 2010

As Flores de Cerejeira

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Há, no efêmero, algo de extraordinário.

Um carinho delicado, um beijo terno, uma flor, um beija-flor, uma nuvem solta no céu, uma folha caindo ao chão, teias de aranha com orvalho, um abraço demorado, um olhar cúmplice, um sorriso tímido, a vida, a morte...

É surpreendente o modo como coisas tão rápidas, pueris e as vezes até banais podem, em nossas vidas, com sua presença ou ausência, nos causar tão forte impacto e abalo. Somos, ao que tudo indica, seres de momento, e seres momentâneos. Há, nestas palavras, uma implicação tão profunda e tão filosófica, que seria impossível abarcá-la por completo em tão curto espaço, ou tempo. E, no entanto, mesmo elas são efêmeras.



Do efêmero, há algo que o representa bem: as flores. Há uma, porém, que o representa de modo todo especial: as flores de cerejeiras, destacando-se a Sakura, flor da cerejeira japonesa, Prunus serrulata. Há, inclusive, um nome específico ao ato de apreciar, socialmente, a beleza que há no efêmero fenômeno das flores: hanami. Li, em certo lugar, que hanami nada mais é do que a própria celebração da vida. De fato, há algo mais efêmero que a vida?

Hoje estamos aqui, mas nada nos garante que amanhã também estaremos. Podemos, num segundo, estarmos vivos e bem, e no segundo seguinte, não...

A vida é efêmera, no entanto, é bela. Nada poderia ser mais valioso, e no entanto, hoje em dia nada pode ser tão banal e pueril. A vida de um estranho não nos possui qualquer valor, e à ela somos até mesmo indiferentes quando elas se perdem. Mas não somos indiferentes às vidas de quem nos são próximos e queridos, e também não somos indiferentes às vidas que se perdem de maneira trágica e violenta. Nestas ocasiões, lembramos a nós mesmos, pelos outros, que nossas vidas também são efêmeras.



Realmente, há algo de intenso, belo, curioso e profundo no hanami. Só se celebra a vida quando se tem consciência da morte. Não há outro modo, não há outro meio. E é diante da possibilidade da "morte", por mais estranho que possa parecer, que compreendemos o valor do que temos, inclusive, e especialmente falando, das coisas efêmeras. Talvez até possamos entender, por morte, o simples fato de nos afastarmos definitivamente, ou perdermos completamente, algo ou alguém.


Se eu soubesse, hoje, que amanhã eu seria privado de toda e qualquer possibilidade de beijar qualquer outra pessoa, o beijo de hoje seria extremamente valioso, e permaneceria comigo terna e eternamente. Do mesmo modo, se eu soubesse agora, que em poucas horas eu perderia a visão para sempre, me apressaria a admirar a mais bela paisagem que eu pudesse encontrar. Creio, a partir de então, que se nos fosse possibilitado conhecer, sem qualquer desespero, o momento de nossa morte, então entre o agora e ela, aproveitaríamos mais, e melhor, o que há de efêmero em nossa efêmera existência.



Infelizmente nós, seres humanos, pelas limitações próprias de nossa humanidade e de seu momento evolutivo, não compreendemos com total sabedoria os valores do que temos, em especial, do que teremos fatalmente. A "morte", dentre todas as coisas, é um fim inevitável, mas que pode ser belo ou não. Aos que temem perder, perder é a pior coisa que existe. A "morte", então, nada mais é do que "perder". Muitos se desesperam, mas creio que este desespero se deve à própria ignorância e falta de preparo: não celebraram a vida quando puderam, portanto, no fim dela, se desesperam.



Hanami nos lembra disto. As Flores de Cerejeira nos lembram disto.

CARPE DIEM!

Colha o Dia!!!

Viva como se somente o agora existisse. Esqueça o futuro: viva o presente, com total intensidade, e com total deleite. Se alguém lhe abraçar, abrace de volta, como se aquele fosse o ultimo abraço de sua vida. Quem sabe não é? E se alguém lhe sorrir, sorria de volta. Quem sabe este não seja o ultimo sorriso dela? E se você ver um beija-flor, esqueça de tudo mais e o observe: está cada vez mais difícil encontrá-los... Passeie por bosques e jardins. Aproveite a natureza, que é, com suas cores, com seus aromas,  e com sua dinâmica e efêmera manifestação, a mais intensa demonstração da beleza, do amor, da sabedoria e da criatividade de Deus.

Falar sobre as belezas da vida e sobre a inevitável eminência da morte é, por si mesmo, efêmero. Ainda assim, é necessário. Compara-se, talvez, ao ato de deter-se, na agitação da vida, para apreciar um momento de delicadeza qualquer.

A vida merece ser vivida. O efêmero merece ser apreciado. Carpe Diem!

O resto, é resto é resto é resto...

terça-feira, 6 de julho de 2010

O Dono do Microfone

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Quando eu era garoto, ouvi muito a seguinte expressão: "bla-bla-bla, só porque beltrano é dono do microfone". Entendi, depois, o que significava isto, "ser dono do microfone".

Ser dono do microfone é ser possuidor - ou detentor - de um poder de comunicar-se às massas, e tal poder é tão carregado de simbolismo, em especial às massas, que estas geralmente lhe atribuem, também, o poder e a posse da "Verdade". "Se passou na TV então é verdade", dizem os populares, com grande frequência, e sem o menor pudor, de tão seguros de estarem certos que eles estão.

Mas, acredito, este fascínio que exerce o "microfone", representação do poder midiático - em especial o televisivo, e mais enfaticamente o jornalismo - não se gera do nada, não se perpetua casualmente, e nem o é desta forma de maneira atoa. Aos de espírito filosófico, há, na imprensa, algo que transcende a eventualidade. Tanto que a imprensa fora considerada o Quarto Poder: há o Poder Legislativo, há o Poder Judiciário, há o Poder Executivo e a imprensa, que hoje, por questões pessoais, considero o Poder Pejorativo.

Faço tais considerações com base em observações e experiências pessoais, tanto que era de meu costume brincar com meus amigos e colegas universitários fazendo o seguinte gracejo:

"Qual a diferença entre um Reporter e um Historiador? Bem, o Repórter têm o poder de arruinar a vida de alguém vivo. O Historiador, por sua vez, tem o poder de arruinar a 'vida' de alguém morto."

De fato, tanto a imprensa quanto a historiografia possuem este poder "intrínseco" de arruinar a vida. Justamente por isto a responsabilidade exigida tanto de repórteres quanto de historiadores é imensamente grande. Cuidados que chegam às raias da ética e da moral. Pena que, infelizmente, existem pessoas e pessoínhas. E a mediocridade se faz presente em todos os lugares, principalmente e especialmente no jornalismo sensacionalista, que por sua característica principal, também é irresponsável e inconsequente.

Recentemente do técnico da Seleção Brasileira de Futebol, o Dunga, foi massacrado pela imprensa filiada - direta e indiretamente - à Rede Globo. Este cidadão que, hoje, possui todo meu respeito, foi talvez o único brasileiro, que sendo alvo de todos os holofotes, e num momento crítico, ousou peitar tamanha emissora. Isto, de fato, é inédito! Já houve quem se atrevesse a tanto, mas não o fizeram de modo tão ostensivo, nem em momentos onde estavam sob todas as atenções. Quem o fez, não fez tão publicamente, e acabou por se tornar um artista e/ou profissional "congelado", afastado das telinhas, longe dos favores da emissora. A solução, para muitos, foi migrar para outras emissoras. Isto, senhoras e senhores, é fato!



Sabemos bem do poder de indução e sedução da TV. Sabemos o quão ela é competente em formar opiniões, e principalmente, o quão são competentes em formar opiniões segundo suas próprias conveniências. Esta é uma característica da programação televisiva universal, mas que pela natureza e volume de sua abrangência e popularidade, se torna exponencialmente mais forte na Rede Globo de Televisão, uma das maiores empresas televisivas do mundo, e certamente a maior da América Latina.

Mas não estamos falando da Rede Globo, por favor, não se enganem. Estamos falando dos maus profissionais do jornalismo, seja ele qual for. Estamos falando de pessoas que, sem medir esforços e consequências, sem pensar na justiça de seus atos, e sempre com base na própria ambição, ou na ambição de quem lhes dirige e coordena, acabam por emitir pareceres que não correspondem à verdade, seja ela como um todo, seja ela em fragmentos.

Infelizmente a TV se apropriou das ambições políticas de seus proprietários e coordenadores. Todos sabem que, em campanhas eleitorais, ganha o político que for "apadrinhado" pela imprensa, e em especial, a imprensa mais forte. Quem tiver boa memória, lembrará das eleições em que o atual presidente da República, o Lula, era candidato. Quando ele participava, e não correspondia aos interesses "da imprensa", ele sofria na mão dela. Depois que ele aprendeu o caminho das pedras, deu-se bem. Hoje, dá-se melhor anda. Ele aprendeu a usar a imprensa a seu favor. Mas qualquer um que não seja a imprensa engana-se quando pensa estar no controle. O controle dos governantes é temporário e eventual, o da imprensa não.

Hoje, agora a pouco, ao acessar as notícias do Yahoo, deparei-me com mais um incidente internacional causado pela imprudência dos jornalistas televisivos: o nosso vizinho Paraguai está revoltado com o modo irresponsável e mesmo ofensivo como foram tratados alguns de seus patrimônios naturais, culturais  e cidadãos pelo programa SporTV. Um incidente internacional que poderia ser evitado, se tais questões fossem tratadas com respeito. Neste caso, a sátira que caberia bem num programa humorístico, não encaixou bem num programa "sério" de jornalismo esportivo.

Desgraçadamente somos, à nível televisivo, reféns do interesse de poderosos e influentes, geralmente também inescrupulosos e inconsequentes. A maioria de nossos políticos são donos das emissoras de televisão. Nossas leis proíbe que os políticos sejam coordenadores dos programas, mas não impede que eles sejam proprietários das emissoras que exibem tais programas. De fato, é um furo imenso em nossa constituição...

"Qual o problema disto?", algum leigo e ignorante leitor possa se perguntar descompromissada (e irresponsavelmente). A resposta é bem simples, e darei em forma de um depoimento que ilustrará a situação:



Lembro-me bem, e com algum horror,  de um evento ocorrido quando eu tinha 14 anos. Na época houve um escândalo envolvendo professores de uma pré-escola do bairro da Aclimação, em São Paulo, no ano de 1994. Como acontece, casos assim recebem "nomes". O deste foi o "Caso da Escola Base". Os professores e funcionários da escola, cerca de seis pessoas ao todo, foram acusados de abusarem sexualmente das crianças.



A notícia varreu o Brasil, e sua repercussão veio em forma de elevada audiência, exatamente como o caso Isabella Nardoni. A diferença, porém, está na conclusão de tão funesto evento. Os programas jornalísticos mostraram o rosto dos acusados, mostrou-os sendo levados do colégio, algemados, e enviados no camburão pelos policiais que os escoltavam e protegiam. Sim, protegiam, pois fora dali havia uma multidão de revoltosos que, se pudessem, teriam linchado cada um dos professores. Depois de algum tempo, quando o caso já não era novidade, e fora naturalmente substituído por outras "sensações", saiu o resultado da investigação policial - agora feita corretamente, e sem a influência da mídia - e, posteriormente, do julgamento: os professores eram inocentes. Descobriu-se que uma das queixosas tinha problemas psicológicos, e que juntamente com a outra, interrogaram de modo inadequado às crianças. De todas as emissoras que transmitiram o início deste caso, somente uma retratou as acusações feitas pelos jornalistas. Se não me falha a memória, foi a SBT. No caso Isabella Nardoni, a imprensa, de modo geral, acompanhou tudo, inclusive, o veredito final do juri popular e a sentença decorrente. Resta, agora, a dúvida: será que, a despeito de tudo mais, a imprensa também não foi responsável por uma pré-opinião do Juri popular?



Talvez, até hoje, para a maioria dos brasileiros, aqueles inocentes professores sejam os culpados. Eu vi na Globo a confusão toda. Para minha sorte, também vejo outros canais. Mas, se eu puder dar uma mensagem de otimismo, então seria o parafrasear de alguém cujo nome não me recordo, mas que dizia:

"A História há de fazer justiça".

Bem, no que competir aos bons historiadores, a justiça será feita!
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segunda-feira, 5 de julho de 2010

ERA UMA VEZ

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ERA UMA VEZ um tempo: o tempo do "Era uma vez...". Neste tempo, hoje aparentemente tão distante, e quase irreal ao ponto de quase tornar-se também um mito, as pessoas se ocupavam mais com os livros, e estes eram grandes objetos de poder. De fato, os livros eram singularmente poderosos, e possuíam magia própria: eram como portais entre o mundo da fantasia e o mundo real.



Lembro-me bem que vivi aqueles dias. Hoje estas recordações possuem sabor de sonhos bons, quase esquecidos. Lembro-me dos livros de capa dura e dos desenhos que ilustravam as histórias. As páginas sempre funcionavam em par: imagem em uma, narrativa em outra. Lembro-me também dos diminutos LPs coloridos que nada mais eram que as histórias contadas e cantadas, interpretadas por atores que se tornavam, para as crianças que as ouviam, os próprios personagens. O sonho, então, tornava-se ainda mais vívido e real: eles tinham vozes, portanto, eram reais!

Lembro-me que vieram, então, os filmes. Desenhos animados em longas metragens. Primeiro, na tela dos cinemas. Depois, na tela da televisão. Posteriormente, ainda na tela da televisão, mas promovidos pela tecnologia do VHS.

Um dos personagens que mais me encantou foi o Pequeno Nemo, do filme  "Little Nemo In Slumberland". Para minha extrema infelicidade, não se acha mais este filme em lugar algum (salvo alguns trechos no youtube). Mas, como eu dizia, tal foi minha identificação com este magnífico personagem, que eu mesmo me via, e me vejo até os dias de hoje, como um "Pequeno Nemo": o mundo dos sonhos, para mim, chega a ser tão ou mais real que o famigerado "mundo real"... E eu me transporto com grande facilidade para este mundo, e nele encontro um tipo de felicidade que não pertence ao mundo convencional. Foi ao ter contato com a história do Pequeno Nemo que vislumbrei, pela primeira vez, como seria bom ter o poder de transportar-se, totalmente, e completamente, para o Mundo dos Sonhos, de modo a poder viver o meu próprio Conto de Fadas.



Hoje, quando penso em minha vida, rememorando os dias de infância, tão agradáveis que vivem na memória com a nitidez do ontem, sinto que ela também tem um tom de "era uma vez". Era uma vez o LP. Era uma vez o VHS. Era uma vez uma TV sem controle remoto. Era uma vez livros de Contos de Fadas lidos em família, em noites especiais, quando todos estavam em casa: pai, mãe - as vezes avô e avó - e filhos. Quanto mais penso nestes dias, tanto mais comparo com o que se tem nos dias de hoje. Quando estas comparações ocorrem, não deixo de me ver como felizardo, e de lamentar pelos jovens e infantes de hoje.

Eu fui criança (e talvez ainda seja). Tive brinquedos e jogos, mas acima de tudo, tive sonhos. E muitos da minha geração também foram assim. Nós, que ontem fomos os "adultos do amanhã", já somos adultos, mas boa parte de nós ainda preserva seus sonhos e fantasias. Ainda se encanta e ainda sonha. Mas, e a geração de hoje? Como estão?

Parece-me que ela, a geração de crianças e jovens de hoje em dia, não possuem esta oportunidade - ou dela não se aproveitam bem, e quanto mais os dias se passam, mais ela se torna uma oportunidade prematuramente perdida. A beleza poética que existia nos Contos de Fadas fora, paulatina e progressivamente, substituída pela ação rápida e enervante e pela torrente de violência gratuita de aventuras drásticas e pouco dramáticas.



Adoro artes marciais, e adoro ação. Mas gosto muito mais delas quando acompanhadas de um drama e de uma trama à moda de "Heroi", estreado por Jet Li em 2002. Sou uma pessoa à moda antiga: o romance dramático é o tempero de minha alma, e nada me agrada mais do que o eterno "clichê" de uma luta por amor, por honra, ou por dever. Neste ínterim, gosto de sentir a evolução do universo interno do personagem, pois eu mesmo cresço junto com ele, e no fim, eu e ele somos um, e o espectador se dissolve no personagem heroico, e o herói se dissolve no espectador sonhador.

E talvez seja justamente isto que dê, às gerações que sucedem a minha, alguma esperança.

O desejo pelo "mágico", pelo "místico" e pelo "sobrenatural" existe e sobrevive no íntimo de cada ser. Os sinais são evidentes e notórios. Basta observar a crescente safra de histórias e contos fantásticos que surgem. A fantasia do ocidente encontra-se com a do oriente. Hoje os HQ's se confundem com Mangás e os Desenhos Animados com Animes. Os mitos e lendas de povos distantes ganham vida, com direito a imagens dinâmicas e sons vívidos, nas telas dos cinemas e da televisão. Os jogos eletrônicos se desdobram em milhares e milhares de personagens, para todos os gostos, cada um mais mirabolante e fantástico que os outros. Naruto que o diga...



Há quem diga, é claro, que estas coisas todas não são legítimos "Contos de Fadas". Que são arremedos apenas. Mas então, pergunto-me: que são os "Contos de Fadas"? Não se trata de modo algum de uma apologia à Disney. Não foi ela quem criou os Contos de Fadas, nem detêm qualquer monopólio sobre estes. Os Contos de Fadas são universais, desconhecem as fronteiras do tempo e do espaço, não se esgotam e não saem de moda. São, ao contrário, cada vez mais modernos e atraentes. Sabe-se que há estudos Acadêmicos de grande seriedade que se ocupam com os Contos de Fadas, e que a própria filosofia, bem como tantas e tantas correntes psicológicas, estudam estes textos, mas a verdade, a Grande Verdade é bem simples e modesta: os Contos de Fadas são momentos de inspiração que se perpetuam e se transmitem de pessoa à pessoa.



Personagens que lutam contra maldições como o vampirismo ou a licantropia. Personagens que buscam a si mesmos, numa jornada épica. Personagens que lutam contra o destino, ou que tentam dar-lhe realização. Magos e bruxas, bestas demoníacas e armas encantadas, fadas e animais falantes. E, no fim, um ato heroico que desdobra-se na maior das realizações pessoais de cada personagem, sendo que, na maioria das vezes, o desejo deles faz eco aos nossos: estar com o ser amado e com ele viver "feliz para sempre". E toda vez que adentramos no universo de um Conto de Fadas qualquer, acabamos por nos inspirar neles, e por eles.

Ah, a inspiração...


"A Bela Adormecida" é fruto de inspiração, e veio da mesma fonte que "O Senhor dos Aneis". "Branca de Neve e os Sete Anões" foi em seu tempo fruto de inspiração, tanto quanto Harry Potter o é nos dias de hoje. "Peter Pan" é fruto de uma inspiração de um ser humano, e do mesmo modo o "Avatar - a lenda de Aang" também é. O "Sonho de uma noite de verão" e "O Pequeno Príncipe" também. Os exemplos são infindáveis, e cada vez surgem mais. E cada um deles dá, a quem o lê com o coração, iguais momentos de inspiração. E de quem se inspira e cria, a quem vê e se inspira, a inspiração é sempre a mesma. A magia permanece intacta. A diferença é que, nos Contos de Fadas há uma história, há uma trama, há  questão moral implícita, e há além e acima disto tudo, a inocência, a magia, a beleza e a sedução que lhe são próprios.



Talvez seja verdade que os filmes de hoje, as tantas histórias em quadrinhos e mangás, desenhos e animes, games e tudo mais, não se comparem em estilo e categoria com os "verdadeiros" Contos de Fadas. Mas creio que, se eles possuem o poder de encantar e de fazer sonhar, e se trazem boas histórias, e se possuem uma trama interessante, e se trabalham com questões morais, implícitas ou não, então possuem tudo para serem, para alguém de espírito sensível, mente fértil e criatividade ativa, um excelente Conto de Fadas.

Vida longa aos personagens de Contos de Fadas, os bons e os maus. Que eles continuem a encantar e impressionar. Que continuem à entreter e ensinar. Que continuem a movimentar sonhos e esperanças. Afinal de contas, o que nos diferencia das máquinas talvez seja, numa simples expressão coloquial e um tanto quanto lírica, o poder de sonhar.



Pensamentos sectaristas não me agradam. Não devemos nos ater à extremos, tampouco devemos ser isolacionistas: ou só isto, ou só aquilo. Se temos tantas alternativas ao exercício da imaginação, e se nada nos impede de utilizarmos a todos, então, que os utilizemos todos, sem qualquer distinção. Entretanto, a bem da verdade, está faltando um pouco do bom e velho "Conto de Fadas", publicado e com imagens, na vida de nossos infantes e jovens. Enquanto preservarmos e usufruirmos do "poder de sonhar", permitiremos que nosso próprio viver torne-se um conto de fadas. Mas sonhar, apenas, não dá: é preciso sonhar com qualidade.

Creio eu que quando nossos sonhos e nossas vidas se tornarem sinônimas, então sim, poderemos ser, verdadeiramente, "Felizes para Sempre"!

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