segunda-feira, 5 de julho de 2010

ERA UMA VEZ

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ERA UMA VEZ um tempo: o tempo do "Era uma vez...". Neste tempo, hoje aparentemente tão distante, e quase irreal ao ponto de quase tornar-se também um mito, as pessoas se ocupavam mais com os livros, e estes eram grandes objetos de poder. De fato, os livros eram singularmente poderosos, e possuíam magia própria: eram como portais entre o mundo da fantasia e o mundo real.



Lembro-me bem que vivi aqueles dias. Hoje estas recordações possuem sabor de sonhos bons, quase esquecidos. Lembro-me dos livros de capa dura e dos desenhos que ilustravam as histórias. As páginas sempre funcionavam em par: imagem em uma, narrativa em outra. Lembro-me também dos diminutos LPs coloridos que nada mais eram que as histórias contadas e cantadas, interpretadas por atores que se tornavam, para as crianças que as ouviam, os próprios personagens. O sonho, então, tornava-se ainda mais vívido e real: eles tinham vozes, portanto, eram reais!

Lembro-me que vieram, então, os filmes. Desenhos animados em longas metragens. Primeiro, na tela dos cinemas. Depois, na tela da televisão. Posteriormente, ainda na tela da televisão, mas promovidos pela tecnologia do VHS.

Um dos personagens que mais me encantou foi o Pequeno Nemo, do filme  "Little Nemo In Slumberland". Para minha extrema infelicidade, não se acha mais este filme em lugar algum (salvo alguns trechos no youtube). Mas, como eu dizia, tal foi minha identificação com este magnífico personagem, que eu mesmo me via, e me vejo até os dias de hoje, como um "Pequeno Nemo": o mundo dos sonhos, para mim, chega a ser tão ou mais real que o famigerado "mundo real"... E eu me transporto com grande facilidade para este mundo, e nele encontro um tipo de felicidade que não pertence ao mundo convencional. Foi ao ter contato com a história do Pequeno Nemo que vislumbrei, pela primeira vez, como seria bom ter o poder de transportar-se, totalmente, e completamente, para o Mundo dos Sonhos, de modo a poder viver o meu próprio Conto de Fadas.



Hoje, quando penso em minha vida, rememorando os dias de infância, tão agradáveis que vivem na memória com a nitidez do ontem, sinto que ela também tem um tom de "era uma vez". Era uma vez o LP. Era uma vez o VHS. Era uma vez uma TV sem controle remoto. Era uma vez livros de Contos de Fadas lidos em família, em noites especiais, quando todos estavam em casa: pai, mãe - as vezes avô e avó - e filhos. Quanto mais penso nestes dias, tanto mais comparo com o que se tem nos dias de hoje. Quando estas comparações ocorrem, não deixo de me ver como felizardo, e de lamentar pelos jovens e infantes de hoje.

Eu fui criança (e talvez ainda seja). Tive brinquedos e jogos, mas acima de tudo, tive sonhos. E muitos da minha geração também foram assim. Nós, que ontem fomos os "adultos do amanhã", já somos adultos, mas boa parte de nós ainda preserva seus sonhos e fantasias. Ainda se encanta e ainda sonha. Mas, e a geração de hoje? Como estão?

Parece-me que ela, a geração de crianças e jovens de hoje em dia, não possuem esta oportunidade - ou dela não se aproveitam bem, e quanto mais os dias se passam, mais ela se torna uma oportunidade prematuramente perdida. A beleza poética que existia nos Contos de Fadas fora, paulatina e progressivamente, substituída pela ação rápida e enervante e pela torrente de violência gratuita de aventuras drásticas e pouco dramáticas.



Adoro artes marciais, e adoro ação. Mas gosto muito mais delas quando acompanhadas de um drama e de uma trama à moda de "Heroi", estreado por Jet Li em 2002. Sou uma pessoa à moda antiga: o romance dramático é o tempero de minha alma, e nada me agrada mais do que o eterno "clichê" de uma luta por amor, por honra, ou por dever. Neste ínterim, gosto de sentir a evolução do universo interno do personagem, pois eu mesmo cresço junto com ele, e no fim, eu e ele somos um, e o espectador se dissolve no personagem heroico, e o herói se dissolve no espectador sonhador.

E talvez seja justamente isto que dê, às gerações que sucedem a minha, alguma esperança.

O desejo pelo "mágico", pelo "místico" e pelo "sobrenatural" existe e sobrevive no íntimo de cada ser. Os sinais são evidentes e notórios. Basta observar a crescente safra de histórias e contos fantásticos que surgem. A fantasia do ocidente encontra-se com a do oriente. Hoje os HQ's se confundem com Mangás e os Desenhos Animados com Animes. Os mitos e lendas de povos distantes ganham vida, com direito a imagens dinâmicas e sons vívidos, nas telas dos cinemas e da televisão. Os jogos eletrônicos se desdobram em milhares e milhares de personagens, para todos os gostos, cada um mais mirabolante e fantástico que os outros. Naruto que o diga...



Há quem diga, é claro, que estas coisas todas não são legítimos "Contos de Fadas". Que são arremedos apenas. Mas então, pergunto-me: que são os "Contos de Fadas"? Não se trata de modo algum de uma apologia à Disney. Não foi ela quem criou os Contos de Fadas, nem detêm qualquer monopólio sobre estes. Os Contos de Fadas são universais, desconhecem as fronteiras do tempo e do espaço, não se esgotam e não saem de moda. São, ao contrário, cada vez mais modernos e atraentes. Sabe-se que há estudos Acadêmicos de grande seriedade que se ocupam com os Contos de Fadas, e que a própria filosofia, bem como tantas e tantas correntes psicológicas, estudam estes textos, mas a verdade, a Grande Verdade é bem simples e modesta: os Contos de Fadas são momentos de inspiração que se perpetuam e se transmitem de pessoa à pessoa.



Personagens que lutam contra maldições como o vampirismo ou a licantropia. Personagens que buscam a si mesmos, numa jornada épica. Personagens que lutam contra o destino, ou que tentam dar-lhe realização. Magos e bruxas, bestas demoníacas e armas encantadas, fadas e animais falantes. E, no fim, um ato heroico que desdobra-se na maior das realizações pessoais de cada personagem, sendo que, na maioria das vezes, o desejo deles faz eco aos nossos: estar com o ser amado e com ele viver "feliz para sempre". E toda vez que adentramos no universo de um Conto de Fadas qualquer, acabamos por nos inspirar neles, e por eles.

Ah, a inspiração...


"A Bela Adormecida" é fruto de inspiração, e veio da mesma fonte que "O Senhor dos Aneis". "Branca de Neve e os Sete Anões" foi em seu tempo fruto de inspiração, tanto quanto Harry Potter o é nos dias de hoje. "Peter Pan" é fruto de uma inspiração de um ser humano, e do mesmo modo o "Avatar - a lenda de Aang" também é. O "Sonho de uma noite de verão" e "O Pequeno Príncipe" também. Os exemplos são infindáveis, e cada vez surgem mais. E cada um deles dá, a quem o lê com o coração, iguais momentos de inspiração. E de quem se inspira e cria, a quem vê e se inspira, a inspiração é sempre a mesma. A magia permanece intacta. A diferença é que, nos Contos de Fadas há uma história, há uma trama, há  questão moral implícita, e há além e acima disto tudo, a inocência, a magia, a beleza e a sedução que lhe são próprios.



Talvez seja verdade que os filmes de hoje, as tantas histórias em quadrinhos e mangás, desenhos e animes, games e tudo mais, não se comparem em estilo e categoria com os "verdadeiros" Contos de Fadas. Mas creio que, se eles possuem o poder de encantar e de fazer sonhar, e se trazem boas histórias, e se possuem uma trama interessante, e se trabalham com questões morais, implícitas ou não, então possuem tudo para serem, para alguém de espírito sensível, mente fértil e criatividade ativa, um excelente Conto de Fadas.

Vida longa aos personagens de Contos de Fadas, os bons e os maus. Que eles continuem a encantar e impressionar. Que continuem à entreter e ensinar. Que continuem a movimentar sonhos e esperanças. Afinal de contas, o que nos diferencia das máquinas talvez seja, numa simples expressão coloquial e um tanto quanto lírica, o poder de sonhar.



Pensamentos sectaristas não me agradam. Não devemos nos ater à extremos, tampouco devemos ser isolacionistas: ou só isto, ou só aquilo. Se temos tantas alternativas ao exercício da imaginação, e se nada nos impede de utilizarmos a todos, então, que os utilizemos todos, sem qualquer distinção. Entretanto, a bem da verdade, está faltando um pouco do bom e velho "Conto de Fadas", publicado e com imagens, na vida de nossos infantes e jovens. Enquanto preservarmos e usufruirmos do "poder de sonhar", permitiremos que nosso próprio viver torne-se um conto de fadas. Mas sonhar, apenas, não dá: é preciso sonhar com qualidade.

Creio eu que quando nossos sonhos e nossas vidas se tornarem sinônimas, então sim, poderemos ser, verdadeiramente, "Felizes para Sempre"!

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Um comentário:

Rodrigo Sensei disse...

No seu texto está explícita toda a beleza que há em você, meu caro amigo. Creio (e você sabe disso) que os Espíritos bons se aproximam. E posso dizer com certeza que seu modo de sonhar muito me influenciou!
Façamos esse mundo de sonhos renascer nos nossos filhos, amigos, alunos...

Parabéns!