terça-feira, 6 de julho de 2010

O Dono do Microfone

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Quando eu era garoto, ouvi muito a seguinte expressão: "bla-bla-bla, só porque beltrano é dono do microfone". Entendi, depois, o que significava isto, "ser dono do microfone".

Ser dono do microfone é ser possuidor - ou detentor - de um poder de comunicar-se às massas, e tal poder é tão carregado de simbolismo, em especial às massas, que estas geralmente lhe atribuem, também, o poder e a posse da "Verdade". "Se passou na TV então é verdade", dizem os populares, com grande frequência, e sem o menor pudor, de tão seguros de estarem certos que eles estão.

Mas, acredito, este fascínio que exerce o "microfone", representação do poder midiático - em especial o televisivo, e mais enfaticamente o jornalismo - não se gera do nada, não se perpetua casualmente, e nem o é desta forma de maneira atoa. Aos de espírito filosófico, há, na imprensa, algo que transcende a eventualidade. Tanto que a imprensa fora considerada o Quarto Poder: há o Poder Legislativo, há o Poder Judiciário, há o Poder Executivo e a imprensa, que hoje, por questões pessoais, considero o Poder Pejorativo.

Faço tais considerações com base em observações e experiências pessoais, tanto que era de meu costume brincar com meus amigos e colegas universitários fazendo o seguinte gracejo:

"Qual a diferença entre um Reporter e um Historiador? Bem, o Repórter têm o poder de arruinar a vida de alguém vivo. O Historiador, por sua vez, tem o poder de arruinar a 'vida' de alguém morto."

De fato, tanto a imprensa quanto a historiografia possuem este poder "intrínseco" de arruinar a vida. Justamente por isto a responsabilidade exigida tanto de repórteres quanto de historiadores é imensamente grande. Cuidados que chegam às raias da ética e da moral. Pena que, infelizmente, existem pessoas e pessoínhas. E a mediocridade se faz presente em todos os lugares, principalmente e especialmente no jornalismo sensacionalista, que por sua característica principal, também é irresponsável e inconsequente.

Recentemente do técnico da Seleção Brasileira de Futebol, o Dunga, foi massacrado pela imprensa filiada - direta e indiretamente - à Rede Globo. Este cidadão que, hoje, possui todo meu respeito, foi talvez o único brasileiro, que sendo alvo de todos os holofotes, e num momento crítico, ousou peitar tamanha emissora. Isto, de fato, é inédito! Já houve quem se atrevesse a tanto, mas não o fizeram de modo tão ostensivo, nem em momentos onde estavam sob todas as atenções. Quem o fez, não fez tão publicamente, e acabou por se tornar um artista e/ou profissional "congelado", afastado das telinhas, longe dos favores da emissora. A solução, para muitos, foi migrar para outras emissoras. Isto, senhoras e senhores, é fato!



Sabemos bem do poder de indução e sedução da TV. Sabemos o quão ela é competente em formar opiniões, e principalmente, o quão são competentes em formar opiniões segundo suas próprias conveniências. Esta é uma característica da programação televisiva universal, mas que pela natureza e volume de sua abrangência e popularidade, se torna exponencialmente mais forte na Rede Globo de Televisão, uma das maiores empresas televisivas do mundo, e certamente a maior da América Latina.

Mas não estamos falando da Rede Globo, por favor, não se enganem. Estamos falando dos maus profissionais do jornalismo, seja ele qual for. Estamos falando de pessoas que, sem medir esforços e consequências, sem pensar na justiça de seus atos, e sempre com base na própria ambição, ou na ambição de quem lhes dirige e coordena, acabam por emitir pareceres que não correspondem à verdade, seja ela como um todo, seja ela em fragmentos.

Infelizmente a TV se apropriou das ambições políticas de seus proprietários e coordenadores. Todos sabem que, em campanhas eleitorais, ganha o político que for "apadrinhado" pela imprensa, e em especial, a imprensa mais forte. Quem tiver boa memória, lembrará das eleições em que o atual presidente da República, o Lula, era candidato. Quando ele participava, e não correspondia aos interesses "da imprensa", ele sofria na mão dela. Depois que ele aprendeu o caminho das pedras, deu-se bem. Hoje, dá-se melhor anda. Ele aprendeu a usar a imprensa a seu favor. Mas qualquer um que não seja a imprensa engana-se quando pensa estar no controle. O controle dos governantes é temporário e eventual, o da imprensa não.

Hoje, agora a pouco, ao acessar as notícias do Yahoo, deparei-me com mais um incidente internacional causado pela imprudência dos jornalistas televisivos: o nosso vizinho Paraguai está revoltado com o modo irresponsável e mesmo ofensivo como foram tratados alguns de seus patrimônios naturais, culturais  e cidadãos pelo programa SporTV. Um incidente internacional que poderia ser evitado, se tais questões fossem tratadas com respeito. Neste caso, a sátira que caberia bem num programa humorístico, não encaixou bem num programa "sério" de jornalismo esportivo.

Desgraçadamente somos, à nível televisivo, reféns do interesse de poderosos e influentes, geralmente também inescrupulosos e inconsequentes. A maioria de nossos políticos são donos das emissoras de televisão. Nossas leis proíbe que os políticos sejam coordenadores dos programas, mas não impede que eles sejam proprietários das emissoras que exibem tais programas. De fato, é um furo imenso em nossa constituição...

"Qual o problema disto?", algum leigo e ignorante leitor possa se perguntar descompromissada (e irresponsavelmente). A resposta é bem simples, e darei em forma de um depoimento que ilustrará a situação:



Lembro-me bem, e com algum horror,  de um evento ocorrido quando eu tinha 14 anos. Na época houve um escândalo envolvendo professores de uma pré-escola do bairro da Aclimação, em São Paulo, no ano de 1994. Como acontece, casos assim recebem "nomes". O deste foi o "Caso da Escola Base". Os professores e funcionários da escola, cerca de seis pessoas ao todo, foram acusados de abusarem sexualmente das crianças.



A notícia varreu o Brasil, e sua repercussão veio em forma de elevada audiência, exatamente como o caso Isabella Nardoni. A diferença, porém, está na conclusão de tão funesto evento. Os programas jornalísticos mostraram o rosto dos acusados, mostrou-os sendo levados do colégio, algemados, e enviados no camburão pelos policiais que os escoltavam e protegiam. Sim, protegiam, pois fora dali havia uma multidão de revoltosos que, se pudessem, teriam linchado cada um dos professores. Depois de algum tempo, quando o caso já não era novidade, e fora naturalmente substituído por outras "sensações", saiu o resultado da investigação policial - agora feita corretamente, e sem a influência da mídia - e, posteriormente, do julgamento: os professores eram inocentes. Descobriu-se que uma das queixosas tinha problemas psicológicos, e que juntamente com a outra, interrogaram de modo inadequado às crianças. De todas as emissoras que transmitiram o início deste caso, somente uma retratou as acusações feitas pelos jornalistas. Se não me falha a memória, foi a SBT. No caso Isabella Nardoni, a imprensa, de modo geral, acompanhou tudo, inclusive, o veredito final do juri popular e a sentença decorrente. Resta, agora, a dúvida: será que, a despeito de tudo mais, a imprensa também não foi responsável por uma pré-opinião do Juri popular?



Talvez, até hoje, para a maioria dos brasileiros, aqueles inocentes professores sejam os culpados. Eu vi na Globo a confusão toda. Para minha sorte, também vejo outros canais. Mas, se eu puder dar uma mensagem de otimismo, então seria o parafrasear de alguém cujo nome não me recordo, mas que dizia:

"A História há de fazer justiça".

Bem, no que competir aos bons historiadores, a justiça será feita!
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